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    Clóvis Rossi

    Mundo volta a apontar necessidade de pôr ordem no capitalismo

    08/09/2016 02h00

    Logo depois que o comunismo ficou sepultado sob os escombros do Muro de Berlim, comentei com o então senador Roberto Campos, o mais agudo e consistente porta-estandarte do capitalismo no Brasil, que, depois da vitória sobre o adversário ideológico, o capitalismo tinha a obrigação de provar que poderia servir às grandes massas marginalizadas.

    Quase 30 anos depois, essa tarefa civilizatória não foi ainda cumprida. Desta vez, não sou eu quem o diz, mas algumas das mais lustrosas lideranças do universo capitalista. O comunicado final da cúpula do G20, recém-encerrada na China, repete, com mais verborragia, o que disse a Campos anos atrás.

    Greg Baker - 4.set.2016/AFP
    Michel Temer (à esq.) posa ao lado dos líderes dos países do G20, em cúpula na China
    Michel Temer (à esq.) posa ao lado dos líderes dos países do G20, em cúpula na China

    Diz o texto: "Trabalharemos para assegurar que nosso crescimento econômico sirva às necessidades de todos e que beneficie a todos os países e pessoas, inclusive e particularmente, mulheres, jovens e grupos desfavorecidos, gerando mais emprego de qualidade, atacando as desigualdades e erradicando a pobreza, de modo que ninguém seja deixado para trás."

    Não é tudo. O primeiro-ministro da Austrália, Malcolm Turnbull, chegou a dizer, nas sessões fechadas, nas quais é possível utilizar mais franqueza do que no comunicado final, que era necessário "civilizar o capitalismo", segundo o relato do "Financial Times".

    Detalhe nada irrelevante: Turnbull, antes de entrar na política, havia sido banqueiro da Goldman Sachs, uma das grifes da face menos civilizada do capitalismo.

    Reforçou Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI e, como tal, comandante de uma instituição sempre vinculada, justa ou injustamente, à face menos civilizada do capitalismo: "O crescimento tem sido demasiado baixo por demasiado tempo e em favor de demasiados poucos."

    O que incomoda é que o G20, essencial para evitar que a crise de 2008/09 se transformasse de recessão em depressão, esteja sendo incapaz já não digo de "civilizar o capitalismo", mas até de reverter o cenário descrito à perfeição por Lagarde.

    No caso do Brasil, com 73 milhões de pobres e sua desigualdade obscena, a impossibilidade de reversão parece nítida: tudo bem que consertar as contas públicas seja uma necessidade inadiável ante o desastre herdado pelo novo governo. É uma condição necessária, mas insuficiente para a retomada do crescimento e, com ela, do emprego.

    Cito, a propósito, estudo do Observatório Francês de Conjunturas Econômicas no qual se afirma que "a consolidação orçamentária na França e na Europa teve um impacto negativo importante, de 0,8 ponto por ano em média, entre 2012 e 2016".

    Prossegue: "A simultaneidade de políticas de austeridade na Europa amplificou seu impacto recessivo, deprimindo a demanda interna e também a externa".

    O Brasil prepara-se, teoricamente, para aplicar políticas de austeridade em 2017, no momento em que o governo e a maioria dos analistas acreditam que estará saindo da recessão.

    Sem um plano B também para o crescimento, não parece haver chance nem sequer de civilizar a recessão, quanto mais o capitalismo.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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