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    Clóvis Rossi

    Os fatos por trás da ofensiva contra Mossul

    17/10/2016 15h30

    O início da ofensiva para a retomada da cidade de Mossul pelo governo iraquiano, anunciada no domingo (16) demonstra uma de duas coisas (ou ambas, talvez): ou a facção terrorista Estado Islâmico (EI) é mais forte do que supõe a sabedoria convencional ou as tropas iraquianas são mais despreparadas do que desejariam os países que estão apoiando a operação (Estados Unidos e Turquia, por exemplo).

    Minha suposição se baseia em uma conversa de janeiro de 2015 com o primeiro-ministro iraquiano, Haidar al-Abadi, durante o encontro anual do Fórum Econômico Mundial em Davos.

    O que ele dizia, então? Primeiro que retomar Mossul seria crucial para mudar o curso da guerra contra o grupo radical, que havia tomado a cidade em 2014. Segundo que a ofensiva seria desfechada no verão do hemisfério Norte, portanto, a partir de junho de 2015.

    Perguntei a al-Abadi porque tanta demora (estávamos em janeiro) para uma operação tão crucial para os rumos da guerra. Resposta dele: "Temos que ganhar cada batalha. Não faz sentido entrar numa que não se possa ganhar".

    Se só agora, quase dois anos depois daquela conversa, o governo iraquiano se acha preparado para ganhar a batalha —crucial, é bom lembrar— só pode ser por uma ou ambas das hipóteses acima: força insuspeitada do EI ou fraqueza igualmente insuspeitada das tropas iraquianas.

    Uma segunda afirmação do premiê iraquiano leva a crer que a segunda hipótese está mais próxima da verdade: ele jurava, à época, que não contaria, para a batalha de Mossul, com tropas estrangeiras no terreno.

    Não é o que está acontecendo na vida real: a ofensiva sobre a cidade em mãos do EI conta com uma coalizão de que participam os Estados Unidos, a Turquia, os peshmergas curdos e milicianos sunitas (embora o EI também seja sunita).

    Só pode significar que, por si só, o Iraque não teria condições de retomar Mossul ou, para fazê-lo, teria que pagar um preço excessivo.

    Dessa constatação decorre o seguinte: se não podem retomar Mossul com suas próprias forças, os iraquianos terão, em princípio, que contar com tropas externas também para mantê-la, no pressuposto de que ganharão a batalha (afinal, estão mobilizados 30 mil homens ou seis vezes mais do que o máximo que se presume sejam os combatentes do EI).

    Já ficou claro, em mais de um episódio no convulso Oriente Médio, que, mais que ganhar uma batalha, é fundamental preservar a conquista (o caso da Líbia pós-Gaddafi é, talvez, o mais ilustrativo).

    É igualmente razoável supor que a derrota em Mossul levará o EI a atacar no Ocidente, incluída a Turquia, como o fez à medida que ia perdendo territórios no próprio Iraque e na Síria.

    As cidades em que instalava o seu autoproclamado califado eram uma arma de propaganda extraordinária. Perdê-las, portanto, pede o uso de outras armas propagandísticas —e, na lógica insana do grupo extremista, quando mais sangue de "infiéis" for derramado, tanto maior a propaganda.

    Editoria de arte/Folhapress
    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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