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    Clóvis Rossi

    Mediação da Igreja Católica é primeiro sinal de que Caracas reconhece crise

    25/10/2016 02h00

    A aceitação pelo governo de Nicolás Maduro de um diálogo com a oposição, intermediado pelo Vaticano, soa a um primeiro e tímido reconhecimento de que a crise venezuelana estava chegando a um ponto de não retorno, naturalmente de consequências imprevisíveis.

    Afinal, o governo tem, internamente, todas as condições para imobilizar a oposição, como já demonstrou desde que esta conquistou a maioria na Assembleia Nacional a partir de janeiro.

    É verdade que a oposição, segundo todas as pesquisas, tem apoio majoritário nas ruas, a ponto de a mais recente pesquisa do instituto Datanálisis indicar que 62,3% dos venezuelanos votariam a favor do afastamento de Maduro, se houvesse um referendo revogatório - exatamente a principal bandeira da oposição.

    Mas a pressão da rua mostrou-se insuficiente para superar as manobras do governo não só para inviabilizar o referendo mas para neutralizar por completo a maioria opositora.

    George Castellanos/AFP
    Estudantes durante protesto contra o presidente Maduro em San Cristóbal, no extremo leste da Venezuela
    Estudantes durante protesto contra Maduro em San Cristóbal, no extremo leste da Venezuela

    O controle absoluto sobre o Judiciário e, até prova em contrário, dos militares dá ao governo a segurança de que à oposição só resta protestar.

    Acontece que, externamente, a situação para a Venezuela bolivariana mudou com as trocas de governo na Argentina e no Brasil. Agora, a Venezuela tem três adversários ferrenhos no Mercosul (Argentina, Brasil e Paraguai) e um quarto membro relativamente neutro, o Uruguai.

    Acontece também que a crise econômica e social ganhou dimensões impressionantes, de que dá indício poderoso o fato de que a taxa de mortalidade infantil até o primeiro ano de vida é agora de 18,6 por mil nascimentos —taxa superior à da Síria em guerra (15,4 por mil).

    Esse dado, entre tantos outros igualmente tenebrosos, tira do governo o argumento de que a crise é provocada por uma guerra econômica.

    Tanto é assim que o comunicado da Santa Sé após a audiência que o papa Francisco concedeu a Maduro, diz, com toda a cautela dos textos do Vaticano, que o encontrou se deu "no marco da preocupante situação de crise política, social e econômica que o país está atravessando e que está tendo graves repercussões na vida cotidiana de toda a população".

    Todos os atores externos, inclusive o Brasil, têm insistido em que o diálogo é a única maneira de tentar sair da crise.

    Agora que ele está se instalando, a grande questão é saber se o governo aceita a convocação do referendo revogatório ainda este ano, em tempo de permitir a saída do chavismo, se Maduro for derrotado, ou apenas está ganhando tempo para que a eventual revogação do mandato presidencial se dê somente depois de janeiro, quando o substituto seria o vice-presidente, o que permitiria a continuidade do atual esquema.

    Seja como for, o Vaticano conseguiu o milagre de introduzir uma cunha na armadura ditatorial que Maduro vem montando.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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