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    Clóvis Rossi

    Desigualdade obscena? Dane-se

    24/11/2016 02h00

    Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, mas com muito mais intensidade no período Lula, a máquina oficial de propaganda vendeu a lenda de que a desigualdade no Brasil se reduzira substancialmente.

    Mentira, conforme já escrevi um punhado de vezes nos meus diferentes espaços nesta Folha, mas uma mentira comprada mecânica e acriticamente pela maioria absoluta dos jornalistas, até por alguns muito competentes.

    Nem quando surgiu um fundamentado estudo de técnicos do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) demonstrando a falácia, houve uma retratação à altura.

    Agora, aparece novo estudo que informa, corretamente, que a taxa de redução da desigualdade no Brasil permaneceu estável entre os anos 2000 e 2014, exatamente o período em que mais se propagou a lenda.

    O estudo é do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e mostra que, apesar do crescimento da renda das pessoas mais vulneráveis e extremamente pobres, o Brasil não conseguiu, em 14 anos, diminuir o fosso entre ricos e pobres. Colaboraram no estudo o já citado Ipea e a Fundação João Pinheiro.

    O que melhorou –assim mesmo de forma "inexpressiva"– foi o índice de Gini, mas este mede apenas a diferença entre salários, que não é a principal fonte de desigualdade.

    O que a torna obscena é a disparidade entre o rendimento do capital e o do trabalho, mas medi-la exige pesquisas muito mais abrangentes e sofisticadas do que a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios, fonte de referência do índice de Gini.

    No mesmo dia em que era divulgado o estudo sobre a desigualdade de três respeitáveis fontes, apareceu também uma pesquisa que talvez explique porque a desigualdade é uma chaga permanente na pele do Brasil.

    Trata-se de um dos países menos preocupados com a pobreza e a desigualdade social, como mostra a edição mais recente da pesquisa "What Worries the World" (O que preocupa o mundo), realizada pela Ipsos em 25 países entre 23 de setembro e 7 de outubro.

    A Ipsos é uma empresa de pesquisa presente em 87 países.

    De acordo com o levantamento, apenas 21% dos pesquisados no Brasil citaram as duas questões como sua maior preocupação, o que coloca o país em penúltimo lugar nesse quesito entre as 25 nações pesquisadas, somente à frente dos Estados Unidos (19%).

    Se os brasileiros não estão incomodados com essa chaga permanente, não há, em consequência, pressão social para cicatrizá-la ou, ao menos, para reduzi-la.

    Até entendo que questões mais presentes no noticiário e no dia-a-dia ocupem a mente dos brasileiros. Exemplo: a corrupção é o maior problema citado, mencionada por 48% dos pesquisados. Em tempos de Lava Jato, nada mais compreensível.

    Empatada com a corrupção vem a saúde (48%), uma vergonha nacional, e depois a violência (45%).

    É compreensível, mas não justificável. Afinal, "uma sociedade desigual é uma sociedade doente", dizem técnicos do Ipea e do PNUD à Agência Brasil. Muito doente.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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