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    Clóvis Rossi

    Novo acordo com as Farc não é bom, mas é o possível

    24/11/2016 18h32

    Defender o acordo de paz assinado (de novo) nesta quinta-feira (24) na Colômbia não significa considerá-lo perfeito ou próximo disso. Não.

    Significa apenas que é o acordo possível. A alternativa proposta pelo ex-presidente Álvaro Uribe, principal opositor a ele, não era conseguir um acordo melhor. Era voltar à guerra. Ponto.

    O próprio presidente Juan Manuel Santos deixou claro que "to­do pro­ces­so de paz é im­per­fei­to. Uma jus­tiça per­fei­ta não per­mi­te a paz".

    Cesar Carrion/AFP Photo
    Colombian President Juan Manuel Santos (L) signs the historic peace agreement between the Colombian government and the Revolutionary Armed Forces of Colombia (FARC), at the Colon Theater in Bogota, Colombia, on November 24, 2016. Under pressure for fear that a fragile ceasefire could break down, the government and the Revolutionary Armed Forces of Colombia (FARC) sign the new deal and immediately take it to Congress. The plan bypasses a vote by the Colombian people after they unexpectedly rejected the first version of the deal in a referendum last month. The accord aims to end Latin America's last major armed conflict. But opponents say it is too soft on the leftist FARC force, blamed for many thousands of killings and kidnappings. / AFP PHOTO / Cesar CARRION
    O presidente Juan Manuel Santos (centro) assina acordo de paz com as Farc nesta quinta (24)

    Como é sabido, Uribe e os demais defensores do "não" no plebiscito que forçou a renegociação do acordo se opunham (e continuam se opondo) à chamada justiça de transição, pela qual os guerrilheiros não irão para a cadeia, salvo que não admitam seus crimes (caso em que certamente não se entregarão e, portanto, continuarão livres).

    É uma posição com respaldo maciço no público: uma pesquisa relativamente recente da firma Ipsos informa que 88% dos colombianos querem que os chefes guerrilheiros sejam presos e que 75% não querem que participem da vida política.

    O acordo original, assim como o novo, não atende a tais desejos, que, de resto, são perfeitamente compreensíveis mas que, contemplados, impediriam a paz.

    É razoável supor que esses números contundentes expliquem porque o presidente Juan Manuel Santos preferiu submeter o novo acordo apenas ao Congresso, em vez de, de novo, apresentá-lo ao eleitorado.

    O risco de nova derrota era altíssimo e, se de fato ocorresse, mataria de vez o processo de paz.

    Pôde-se, portanto, entender a cautela do presidente, mas é inegável que o novo acordo nasce com um déficit de legitimidade, que tornará ainda mais delicada e complexa a tarefa de implementar a paz.

    Primeiro, será preciso aprovar o novo texto no Congresso, no qual, apesar de o governo dispor de uma maioria suficiente, o peso da opinião pública pode levar mesmo os governistas a hesitar.

    Depois, será preciso retomar todo o território colombiano para o Estado, como aponta Matthew Taylor, do Council on Foreign Relations:

    "Não é uma hipérbole observar que o Estado colombiano tem sido fraco e ineficiente em largas fatias de seu território. De fato, uma das causas do sucesso das Farc foi precisamente que preencheu um vazio em áreas do país que eram ou ignoradas ou abandonadas em mãos de homens fortes locais".

    Do sucesso dessa empreitada nada trivial dependerá uma paz efetiva e, não menos importante, um controle ao menos relativo do narcotráfico, sem o que a violência que marca a Colômbia não desaparecerá só porque as Farc entregarão as armas.

    Mesmo com todas essas sombras, cabe festejar o acordo nem que seja pela simples lembrança dos custos da guerra: 220 mil mortos, 13.001 vítimas de minas antipessoas, 21.900 sequestrados, mais de 3.500 crianças recrutadas à força, dezenas de povoados destruídos, mais de 30 mil camponeses despojados de suas terras.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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