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    Clóvis Rossi

    A Europa vive de susto em susto

    02/12/2016 15h19

    Primeiro, veio o "brexit", o voto para que o Reino Unido abandonasse a União Europeia. Logo depois, o triunfo de Donald Trump, nacionalista xenófobo e isolacionista (ao menos na retórica; na prática, só se verá mesmo em janeiro).

    Se já não fossem esses dois tremendos sustos, eis que a Europa se prepara para mais um ou dois neste domingo, 4, na forma de um novo plebiscito (na Itália) e de outra eleição presidencial (na Áustria, tema que deixo para outro dia).

    A teoria abraçada pela maioria da mídia tradicional é a de que as duas votações medirão a força do populismo e/ou do nacionalismo depois da vitória de Trump, com efeitos supostamente devastadores sobre a unidade europeia e sobre a sobrevivência do euro.

    Damon Winter - 1º.nov.2016/The New York Times
    FILE -- Then candidate Donald Trump smiles as the crowd chants "President Trump" during a campaign rally at the W.L. Zorn Arena in Eau Claire, Wis., Nov. 1 2016. An automated army of pro-Trump chatbots on Twitter overwhelmed similar ones deployed for Hillary Clinton five to one in the days leading up to the presidential election, according to an Oxford University report. (Damon Winter/The New York Times) - XNYT18
    Donald Trump, dias antes da eleição que o escolheu como novo presidente americano

    No caso específico da Itália, escreve, por exemplo, a revista alemã "Der Spiegel": se vencer o não, "um referendo sobre se a Itália deve manter-se como membro da moeda comum poderia vir em seguida. Se a Itália, a terceira maior economia da moeda comum, vier a deixá-la, poderia por toda a União Europeia em risco".

    São tantos os "ses" nesse texto que, com todo o respeito à qualidade da revista alemã, parece um pouco de exagero apontar desde já para o apocalipse.

    Esclareço, por uma questão de transparência, que, como tenho dupla cidadania, já votei pelo "sim". Não sou portanto neutro nessa votação.

    O que está em jogo na Itália não é, ao contrário do "brexit", a permanência no euro ou na União Europeia. Trata-se, simplesmente, de corrigir patentes imperfeições no sistema político, tantas que levaram à formação de 63 governos em 70 anos de democracia —nível de Terceiro Mundo e não da terceira maior economia da Europa.

    São 952 parlamentares, o terceiro maior número depois de China e Reino Unido. Deles, 315 são senadores, dotados de igual poder que os deputados, o que leva a permanentes impasses.

    O projeto que vai a voto reduz o número de senadores para cem, acaba com a eleição direta deles e, coerentemente, reduz seus poderes.

    O problema que leva tanto susto aos europeus é o fato de que o primeiro-ministro Matteo Renzi transformou o voto em uma espécie de plebiscito sobre seu governo, chegando a anunciar que renunciaria se perdesse.

    Essa hipótese assanhou todos os seus adversários, à direita, à esquerda e até ao centro. Consequência: as pesquisas estão dando vantagem para o "não" de entre 4 e 8 pontos percentuais.

    Se eu fosse marqueteiro de Renzi, teria feito do voto um plebiscito contra a "casta", como é tratada a classe política italiana, tão desprestigiada como todas as suas congêneres no resto do mundo.

    Como não o fez, coloca-se, de fato, a hipótese da sequência desenhada pela "Der Spiegel": Renzi perde, renúncia, convoca-se nova eleição, ganha o populismo local (o Movimento 5 Estrelas, do cômico Beppe Grillo), contrário ao euro e à União Europeia.

    Mas é uma hipótese que precisa superar etapas nada fáceis: primeiro, não é seguro que, renunciando o premier, se convoquem eleições (Renzi é o quarto governante italiano sucessivo a chegar ao poder sem passar por eleição, graças a manobras palacianas).

    Segundo, se houver eleições, é improvável que o M5S de Grillo faça de fato maioria suficiente para governar. Por enquanto, anda em torno de um terço do eleitorado.

    Terceiro, a Itália é um dos mais europeístas dos países europeus, o que torna complicado aprovar, em eventual plebiscito, a saída seja do euro ou da UE.

    Portanto, é mais aconselhável adotar a tática dos Alcoólicos Anônimos: um dia de cada vez ou, no caso, uma etapa de cada vez, antes de cantar vitória ou derrota definitiva.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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