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    Clóvis Rossi

    Aleppo, o túmulo da humanidade

    15/12/2016 02h00

    O primeiro a fazer a denúncia foi Jens Laerke, porta-voz da ONU para Assuntos Humanitários, assim que as forças da ditadura síria entraram na parte rebelde de Aleppo : "Houve um completo derretimento da humanidade em Aleppo".

    Foi pior: em editorial desta quarta-feira (14), o "Le Monde" escreve que Aleppo foi "o túmulo do direito internacional, da ONU, de um mínimo de decência e de humanidade".

    É isso mesmo, desgraçadamente. Se as comunicações modernas transformaram o mundo em um vilarejo, esse pequeno mundo assistiu um genocídio, em cores e no horário nobre, em um de seus recantos, sem que ninguém fizesse nada para impedi-lo ou ao menos atenuá-lo, o que já seria pouco.

    E olhe que houve tempo, muito tempo, para isso. A guerra na Síria já vai para o sexto ano e para 312 mil mortos, segundo a conta mais recente do Observatório Sírio de Direitos Humanos.

    Os refugiados, internos ou externos, são 9,5 milhões ou aproximadamente 40% da população. Se fosse no Brasil, essas porcentagens corresponderiam a mais de 80 milhões de pessoas, uma sinistra contabilidade que nem inclui os feridos.

    Haveria idêntica indiferença/impotência/inapetência para intervir?

    Minha primeira tentação é responder que não. Países do hemisfério ocidental não podem passar por uma situação dessas sem que haja algum tipo de intervenção, certo?

    Aí vem à memória o Holocausto, genocídio praticado em e por mais de um país ocidental. Tento pensar que era outro mundo, outra época. Mas, recentemente, houve dois outros genocídios, contra muçulmanos (Srebrenica, na antiga Iugoslávia) e contra negros (Ruanda).

    Agora, são muçulmanos de novo, na Síria. Fica a sensação de que está permitido matar negros e árabes, aos olhos ocidentais, a cuja cultura pertencemos, gostemos ou não.

    É eloquente que os folhetos lançados em novembro nas áreas de Aleppo sob controle dos rebeldes avisassem: "Se vocês não deixarem esses lugares rapidamente, vocês serão aniquilados. (...) Vocês sabem que foram abandonados por todo o mundo, deixados sozinhos à própria sorte, e que ninguém lhes propôs ajuda". Fica claro, pois, que os assassinos contavam em sua estratégia de campanha com a omissão de "todo o mundo".

    Menos, claro, da Rússia de Vladimir Putin, o mais novo amigo de infância de Donald Trump, cogestión, com o ditador Bashar al-Assad, do massacre de Aleppo.

    Posto de outra forma: o Ocidente é culpado por omissão pelo genocídio, enquanto a Rússia o é também, mas por ação.

    Há quem ache que, após ocupar Aleppo, Assad ganhou a guerra. Mas Samer Abboud, professor-assistente de Estudos Internacionais na Arcadia University (Pensilvânia), discorda: "A luta persistirá ao longo do país. Até em áreas ostensivamente sob controle do regime, a violência e a insegurança permanecerão como parte da vida diária dos sírios", escreveu para a Al Jazeera.

    Prepare, pois, a sua indiferença/impotência que logo virá mais sangue na tela mais próxima de você, em horário nobre.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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