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    Clóvis Rossi

    Trump e seu embaixador-bomba

    16/12/2016 15h28

    A designação por Donald Trump de David Friedman para embaixador dos Estados Unidos em Israel acrescenta um homem-bomba na equação de um Oriente Médio que já é a região mais conflagrada do mundo.

    Explico:

    1 - Friedman já anunciou que pretende exercer suas funções a partir da embaixada dos EUA na "eterna capital de Israel, Jerusalém".

    O problema é que Jerusalém só é a capital eterna (e indivisível) de Israel para o próprio governo israelense. Para a comunidade internacional, de acordo com a resolução 478 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, as embaixadas estrangeiras devem se estabelecer em Tel Aviv.

    Determinação até agora seguida pelos próprios Estados Unidos (e também pelo Brasil).

    O motivo: a ONU, originalmente, estabeleceu Jerusalém como território internacional. Israel, no entanto, foi ocupando e anexando tanto Jerusalém Ocidental como a parte oriental, majoritariamente habitada por árabes (palestinos).

    A ONU considera Jerusalém Oriental como território palestino ocupado por Israel.

    Estabelecer uma embaixada em área sob tão intenso e antigo litígio é uma bomba de tempo que só fará estimular mais revoltas palestinas, além de desafiar a comunidade internacional.

    2 - Friedman não acha necessário criar dois Estados (Israel e um território palestino), conforme determina a ONU.

    Ora, o próprio governo israelense atual, o mais direitista de todos os tempos, ainda prega a necessidade dos dois Estados, o que tem uma lógica clara (além da obediência à legalidade internacional, que, goste-se ou não, é o que existe como alternativa à lei do mais forte).

    A lógica é simples: se Israel se instalar como o único Estado na área que hoje divide com os palestinos, ou transformará os palestinos em sub-cidadãos ou, com o passar do tempo, o número de judeus será superado pelo de palestinos –e Israel deixará, portanto, de ser um Estado judeu.

    Posto de outra forma: Israel tem que escolher entre ser uma democracia, com direitos iguais para todos os seus cidadãos (árabes e judeus), ou um Estado judeu, que é sua característica indelével.

    Além desse dilema interno, negar aos palestinos o Estado que lhes destinou a comunidade internacional provocaria forte reação não só nos países árabes mas também na Europa, aumentando o isolamento de Israel.

    A indicação de Friedman, portanto, acaba sendo uma extraordinária alavanca para a extrema-direita israelense, que já vem crescendo fortemente nos últimos anos.

    É sintomática a reação dos liberais judeus, cujo porta-voz é o jornal Haaretz: Chemi Shalev escreveu, nesta sexta-feira (16), que "David Friedman, o embaixador radical de direita, faz Netanyahu parece um esquerdista".

    Como se sabe, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu não só é de direita como lidera o governo mais radicalmente à direita de Israel nos quase 70 anos do Estado judeu.

    Se Friedman está à direita dele, trata-se claramente de uma bomba de tempo, mais uma plantada por Donald Trump.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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