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    Clóvis Rossi

    Trump inaugura a era da Política S/A, com gestão pública e negócios colados

    01/01/2017 02h00

    Evan Vucci-30.nov.2016/Associated Press
    O banqueiro e produtor de cinema Steven Mnuchin, futuro secretário do Tesouro do governo Trump, fala com repórteres no lobby da Trump Tower, em Nova York

    Marc Bassets, o correspondente do jornal espanhol "El País" em Washington, fez dias atrás um curioso exercício: imaginar o pior e o melhor cenário em cada ação de Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos.

    No caso, por exemplo, de meio ambiente, pode acontecer que o presidente se convença de que a mudança climática é uma realidade ameaçadora, "reafirme o compromisso com o acordo de Paris e consiga convencer o Partido Republicano e as grandes empresas contaminadoras a apoiar seus planos de reduzir emissões".

    Pode acontecer o oposto: os EUA saem do acordo de Paris, outros países seguem o exemplo e o mundo corre para a catástrofe ambiental.

    O exercício de Bassets é a mais clara demonstração de que o mundo está entrando em uma era de incertezas como talvez nunca se tenha visto antes.

    Trump é o principal fator de incertezas, pela notável influência que os EUA exercem no planeta. Mas não é o único. Pense no Brasil. Quem se anima a prever se e quando a economia vai começar a se recuperar? Nem o próprio Michel Temer, que soltou outro dia uma pérola da obviedade: disse que, depois da recessão, vem a retomada.

    Não creio que lhe atribuam o Nobel de Economia (ou qualquer outro). É o mesmo que assegurar que, depois do dia, vem a noite.

    O que complica ainda mais as coisas é que a eleição de Trump, primeiro, e a configuração de seu governo, em seguida, estraçalharam o modo de pensar convencional, em que nos baseamos quase todos os que nos interessamos por política.

    Já não dá para tentar entender as coisas pelo molde tradicional esquerda/direita ou conservadores/progressistas.

    Claro que, no geral, Trump é um conservador, mas está introduzindo na administração um dado novo, que eu chamaria de Política S/A.

    A grande maioria de seus secretários vem de corporações privadas, com pouca ou nenhuma passagem pela administração pública.

    Trump parece a reencarnação de Calvin Coolidge, presidente entre 1923 e 1929, para quem "no fim das contas, o principal negócio do povo americano são os negócios".

    Nos quase cem anos transcorridos desde então, os governos dos EUA sempre trabalharam em favor dos negócios. Mas, em geral, havia um funcionário público ou político no meio da história para impedir ou atenuar a incontrolável propensão dos homens de negócios a antepor o lucro, o máximo possível dele, a qualquer outra consideração. Trump e seu time quebram o molde.

    Por isso, fica mais difícil ainda antecipar o que pode acontecer doravante e que repercussões terá no resto do mundo.

    Pegue-se o caso de Cuba. Onze em cada dez analistas acham que Trump reverterá o degelo com a ilha. Pode ser. Mas pode ser também que Trump receba apoio para construir um hotel em Varadero, digamos, e se torne o mais novo amigo de infância de Raúl Castro.

    Incerteza não combina com votos de feliz Ano Novo. Mas 2017 só pode ser melhor do que o horroroso 2016. Tomara, no entanto, que seja pior do que 2018.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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