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    Clóvis Rossi

    Eleições no Equador são prova de que é cedo para dar populismo por morto

    23/02/2017 02h00

    Mariana Bazo - 19.fev.2017/Reuters
    O presidente do Equador, Rafael Correa beija o candidato de seu partido à sucessão, Lenín Moreno
    O presidente do Equador, Rafael Correa beija o candidato de seu partido à sucessão, Lenín Moreno

    O resultado da eleição equatoriana de domingo (19) é uma importante demonstração de que são prematuros os necrológios do populismo que têm sido publicados com certa frequência.

    É verdade que Lenín Moreno, o candidato do presidente Rafael Correa, não conseguiu vencer no primeiro turno. E é razoável supor que se volte contra ele, no segundo turno, a maioria dos eleitores dos dois seguintes colocados, o banqueiro Guillermo Lasso e a conservadora Cynthia Viteri.

    Mas a soma dos dois não chegou a 45%, muito pouco acima dos 39% de Moreno, o que significa que o resultado final está completamente aberto. Antes da votação, quando as pesquisas davam a Moreno só um terço dos votos, tinha-se como certa sua derrota final.

    Claro que o populismo perdeu votos. Correa elegeu-se com maioria absoluta nas duas eleições anteriores (2009 e 2013). Agora, seu candidato é obrigado a disputar um segundo turno, com um tiquinho menos do que 40%.

    Mas é um resultado muito bom, dadas as circunstâncias: primeiro, a eleição se deu com a economia na primeira recessão dos anos de "correísmo" (queda de 1,7% em 2016). Recessão geralmente leva os votantes a castigar o governo de turno.

    Segundo, Moreno nem remotamente tem o carisma de Correa, o que é, aliás, fenômeno recorrente no populismo e em seu primo-irmão, o caudilhismo: o caudilho raramente permite que à sua sombra cresça uma figura com potencial de liderança comparável ou ao menos próxima.

    O vigor remanescente do populismo é, no entanto, fácil de explicar: a parte marginalizada da população —maioria absoluta nos países da América Latina— sentiu-se representada e defendida por líderes como Correa.

    A redução da pobreza foi notável em todos os países em que os populistas ganharam o poder. Pena que a desigualdade, a grande chaga aberta na pele latino-americano, não tenha sido igualmente reduzida substancialmente.

    Não houve, a rigor, mudanças estruturais que permitissem a inclusão definitiva dos setores marginalizados. Tanto que, ao mudar o ciclo econômico, como mudou, por exemplo, no Brasil, volta a aumentar a pobreza.

    Fica, no entanto, a memória dos tempos de bonança, de que dá prova o fato de que Luiz Inácio Lula da Silva lidera as pesquisas mais recentes e ganha até nas simulações de segundo turno.

    Um segundo fator a explicar a força do populismo é a incapacidade de a oposição, primeiro, unir-se e, depois, escolher um candidato com apelo para as grandes massas.

    O Equador é um exemplo claro: apresentaram-se sete candidatos ditos de oposição. Somados, tiveram praticamente 60% dos votos, mas suas agendas em muitos pontos conflitantes podem fazer com que parte de seus eleitores, no turno final, se volte para Moreno.

    É significativo, aliás, que, nas eleições para o Legislativo, a Aliança País, que Correa inventou, obteve de novo a maioria absoluta dos votos.

    No Brasil, o cenário (Legislativo à parte) é bem parecido: quem é o presumível adversário de Lula capaz de empolgar de fato o eleitorado? Até agora, ninguém.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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