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    Clóvis Rossi

    Cinismo a favor da corrupção

    23/03/2017 02h00

    Bruno Santos - 17.mar.2017/Folhapress
    Preso na Operação Carne Fraca chega escoltado por agentes à sede da Polícia Federal em São Paulo
    Preso na Operação Carne Fraca chega escoltado por agentes à sede da Polícia Federal em São Paulo

    Do jeito que andam as coisas no Brasil, às vezes dá vontade de apelar e sugerir uma iniciativa como o italiano "Movimento dei Forniconi" (aquela forquilha com que se recolhe palha ou folhas no campo).

    Os "forniconi" pregam a prisão de todos os parlamentares, membros do governo e até do presidente da República, por meio de uma "ordem de captura popular".

    Das palavras à ação: em dezembro, promoveram a "captura popular" de um ex-deputado (Osvaldo Napoli) da "Forza Italia", o partido do ex-premiê Silvio Berlusconi.

    Nesta quarta-feira (22), militantes do grupo em diferentes cidades italianas estão, eles próprios, sob ordem de captura.

    É justo que seja assim, dado que se trata de uma ilegalidade. Mas, se os políticos e as autoridades brasileiras insistirem nessa operação de cerco às investigações, cada vez mais explicitada, ainda vai surgir uma aberração similar no Brasil.

    O cinismo dessa operação suja vai ao ponto de o deputado Vicente Cândido (PT-SP) defender abertamente a anistia aos investigados/presos pela Lava Jato.

    Qual é a lógica alegada pelo deputado para anistiar seus pares?

    "Distensionar o país", responde. É ridículo, grotesco e caricato, como dizia Geraldo Bretas, o mais polêmico comentarista esportivo do país, morto em 1981.

    O que "tensiona" o país é a corrupção, não a punição de corruptos. O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, foi levado à extrema tensão (a falência) por Sérgio Cabral e seu sucessor, Luiz Fernando Pezão. Seria Cabral anistiado?

    Outro exemplo de confusão entre causa e efeito aparece na indignação do ministro Gilmar Mendes, do STF, com o vazamento de informações sobre as investigações da operação Lava Jato.

    É óbvio que vazamentos têm que ser investigados e punidos, quando irregulares, mas daí até a pregar, como o faz Mendes, "descartar" as evidências contidas no vazamento equivale a quebrar o espelho para ocultar a sujeira que ele mostra.

    Infinitamente mais grave que os vazamentos é a corrupção que eles revelam. Corrupção devidamente comprovada pelo fato de que alguns dos acusados devolveram dinheiro aos cofres públicos.

    Alguém limpo devolve dinheiro legitimamente auferido?

    De ordem parecida é a ofensiva contra a Polícia Federal a partir da Operação Carne Fraca. Criticar o espetáculo feito pelos policiais é uma coisa; outra é querer demonstrar que o modelo brasileiro de fiscalização é lindo.

    Vejamos: o "Estadão" mostra que, dos 27 superintendentes do setor existentes no país, ao menos 19 são indicados por políticos.

    É só somar dois mais dois: os grandes frigoríficos contribuem regiamente para campanhas políticas; uma vez eleitos, parlamentares indicam quem chefia a fiscalização dos frigoríficos que os financiaram. Você acha, honestamente, que esse pessoal será rígido na fiscalização?

    É como escreveu nesta quarta (22) o sempre excelente Bernardo Mello Franco: "É difícil sustentar que os vilões da história são os investigadores, e não os frigoríficos investigados. Foram eles que compraram fiscais, enganaram consumidores e, claro, financiaram campanhas".

    Pois é, Bernardo, o Brasil está de ponta-cabeça.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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