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    Clóvis Rossi

    Presidente não se improvisa

    30/03/2017 02h00

    Democracia é um animal complexo, cujo exercício demanda enorme talento para negociar porque os interesses em torno de políticas a serem adotadas são multifacetados e difíceis de conciliar.

    Mas, quando a democracia exibe seus melhores momentos, o resultado é auspicioso, como se viu na derrota sofrida por Donald Trump na tentativa de substituir o programa de saúde de Barack Obama, o chamado Obamacare.

    Vale como lição para o Brasil, aliás. Por que o plano Trump não conseguiu apoio nem mesmo para levá-lo a voto na Câmara dos Deputados? Porque –e eis a beleza da democracia e a lição para o Brasil– o eleitor se mexeu.

    Relata o "New York Times" que mesmo representantes republicanos receberam manifestações contrárias ao projeto do presidente em número avassalador.

    Exemplos: Thomas Massie, do Kentucky, recebeu 257 chamadas contra o projeto e apenas quatro a favor; Dan Donovan, de Nova York, afirmou que as manifestações em seu gabinete eram de 1.000 a 1 contra a proposta.

    No Brasil, não há esse hábito de fazer pressão sobre os parlamentares. Nada contra manifestações de massa, grandes ou pequenas, contra ou a favor dessa ou daquela política ou político.

    Mas uma coisa é o parlamentar ver pela TV um ato e, outra, é sentir o ruído da rua em seu gabinete.

    É óbvio que o voto distrital, como existe nos Estados Unidos, facilita as coisas e, em tese, torna o eleito mais próximo do eleitor. Mas o fato é que o brasileiro, com as exceções de praxe, não sente que é ouvido pelo seu representante. Por isso, pouco se mexe.

    Segunda lição: presidente não se improvisa. Um neófito como Trump achou que podia se comportar como o apresentador de "O Aprendiz", que era um pequeno imperador, dono do destino dos participantes.

    Aventurou-se açodadamente a uma proposta sobre a saúde sem as devidas consultas prévias não só aos parlamentares como aos especialistas. Quase todas as entidades sérias do setor rejeitaram o plano endossado por Trump, mas ele foi em frente assim mesmo.

    O Brasil já teve sua experiência com a eleição de um aventureiro (Fernando Collor de Mello). O país perdeu quase três anos com a nefasta aventura.

    No caso dos Estados Unidos, a perda com Trump tende a ser universal, agora que ele promove um retrocesso formidável na política ambiental lançada por seu antecessor e cuja cereja do bolo foi o Acordo de Paris, assinado em 2015 por 196 países.

    As medidas anunciadas por Trump na terça-feira (28) não só ameaçam as metas que os Estados Unidos deveriam atingir como "podem convidar outros países signatários a recuar de seus próprios compromissos", como escreve Jennifer Wilson, pesquisadora-associada do Council on Foreign Relations.

    Consequência previsível: "Como os EUA respondem por 16% das emissões globais [de gases poluentes], atrás apenas da China, esse fracasso torna ainda mais provável que a temperatura média da Terra suba para níveis potencialmente desastrosos".

    Resta torcer para que a pressão social seja capaz de reverter também esse despautério de Trump.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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