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    Clóvis Rossi

    O xerife do mundo e as mortes inaceitáveis

    07/04/2017 13h02

    Alex Brandon/Associated Press
    President Donald Trump prepares to speak at Mar-a-Lago in Palm Beach, Fla., Thursday, April 6, 2017, after the U.S. fired a barrage of cruise missiles into Syria Thursday night in retaliation for this week's gruesome chemical weapons attack against civilians. (AP Photo/Alex Brandon) ORG XMIT: FLAB138
    O presidente Donald Trump prepara-se para falar em Mar-a-Lago em Palm Beach, na Flórida

    A primeira e óbvia reação de quem preza o respeito às regras é a de condenar o ataque norte-americano à Síria. Uma ação unilateral como essa devolve os Estados Unidos à condição de xerife do mundo, que Barack Obama hesitou muito em assumir.

    Mas é preciso ir um pouco além do óbvio e perguntar: seria viável qualquer iniciativa multilateral que obtivesse consenso no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que é o coração do sistema internacional? A resposta, também óbvia, é não.

    Tanto é que a Rússia impediu que o Conselho adotasse uma resolução que previa apenas uma investigação independente sobre o ataque com armas químicas praticado ao que tudo indica pelas forças do ditador Bashar Al-Assad na terça-feira (4).

    Se nem uma investigação séria é possível, qualquer sanção multilateral à barbárie do regime sírio seria ainda mais impraticável.

    Logo, Donald Trump está certo em agir unilateralmente? A resposta não é tão simples, mas a iniciativa do presidente norte-americano é compreensível, o que não quer dizer justificável.

    É como escreve David Shariatmadari, colunista do Guardian, duro crítico de Trump e inteiramente refratário a aceitar que ele seja o xerife do mundo:

    "Quando os americanos tomam consciência de uma atrocidade –apesar do fato de que pode ter sido apenas a mais recente em uma longa lista de atrocidades, muitas das quais não chegaram às manchetes na manhã seguinte– ele [Trump] não poderia deixar de responder".

    A propósito de atrocidades, sugiro ler a coluna do sempre excelente Hélio Schwartsman nesta sexta-feira (7), em que ele lamenta que haja mortos mais mortos do que outros. É alusão ao fato de que os quase 500 mil mortos por armas convencionais na Síria não tenham gerado reação comparável ao caso do ataque químico, em número muito mais reduzido, embora sempre lamentável.

    Se o que se pretende é ao menos reduzir o número de mortos, o melhor será decretar uma zona de exclusão aérea, o que impediria os aviões da ditadura de continuarem a bombardear indiscriminadamente rebeldes, civis e terroristas.

    A Rússia alega que o que aconteceu terça-feira foi o ataque a um depósito de armas dos rebeldes que conteria material químico e que este teria explodido em consequência. Digamos que essa seja a versão correta. Ainda assim, a zona de exclusão aérea bloquearia também esse tipo de ação.

    Sem uma iniciativa forte como essa, prevalecerá, no final das contas, a avaliação de Judah Ari Gross, correspondente militar do "Times of Israel":

    "No começo desta semana, um alto funcionário de segurança disse que, se Obama tivesse, em 2013 [ano do mais notório uso anterior de armas químicas por Assad], mandado um único jato para despejar um mero saco de água no palácio de Assad, a história tomaria um curso diferente. Mas, quase quatro anos depois e com envolvimento russo consideravelmente maior, os 59 mísseis Tomahawk de Trump podem não bastar para mudar a corrente na Síria".

    Em outras palavras: não basta dizer que mortes por armas químicas são inaceitáveis. Inaceitável é o genocídio em curso na Síria.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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