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    Clóvis Rossi

    63 não podem ser a voz de toda a periferia

    10/04/2017 13h20

    Apu Gomes/Folhapress
    Vista a partir de pedra conhecida como mirante, na Vila Brasilândia, periferia de São Paulo
    Vista a partir de pedra conhecida como mirante, na Vila Brasilândia, periferia de São Paulo

    Tenho a leve impressão que se está fazendo alarido demais em torno da pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, excelente centro de pesquisas do PT, a propósito da opinião da periferia de São Paulo.

    Que Mauro Paulino (Datafolha), meu guru em pesquisas de opinião, me desminta se eu estiver errado, mas me parece que a opinião de apenas 63 pessoas não pode nem remotamente ser tomada como a opinião da vastíssima periferia de São Paulo.

    Ainda mais que a pesquisa teve como foco apenas os que votavam no PT mas não o fizeram com Dilma Rousseff, em 2014, nem com Fernando Haddad, em 2016.

    Não estão, portanto, representados os que votavam no partido e continuaram a fazê-lo nos dois pleitos mais recentes nem os que não votavam antes no PT.

    Tampouco é correto tomar 63 pessoas da periferia de São Paulo como a voz das periferias do Brasil todo, posto que há evidentes diferenças entre, por exemplo, a Zona Sul de São Paulo e as favelas do Nordeste.

    De repente, pode até ser que as conclusões extraídas da pesquisa sejam válidas para o conjunto das periferias, mas é um tremendo risco político-eleitoral aceitá-las pelo valor de face, sem que uma amostra bem mais significativa seja ouvida.

    O que mais chamou a atenção nos dados divulgados pela FPA é a afirmação de que "a pesquisa demonstra uma intensa presença dos valores liberais do 'faça você mesmo', do individualismo, da competitividade e da eficiência".

    Se for assim, a esquerda está de fato em um beco sem saída. Afinal, grande parte dela joga o qualificativo "neoliberal" como se fosse uma ofensa grave, capaz de desqualificar o interlocutor para o debate público e, por extensão, para ocupar cargos públicos.

    Se a pesquisa puder ser tomada como voz da periferia, então xingar alguém de liberal não o desmerece aos olhos da periferia.

    Não vou concordar nem discordar de tal conclusão pela simples e boa razão de que converso com menos pessoas da periferia do que as 63 ouvidas pela Fundação do PT.

    Mas há elementos no passado para acreditar que a pregação de esquerda clássica não funciona –e não apenas na periferia. Basta lembrar que, enquanto era tido como radical, Luiz Inácio Lula da Silva perdeu quatro eleições majoritárias consecutivas (1982 para o governo de São Paulo e 1989, 1994 e 1998 para a Presidência).

    Só ganhou, em 2002, quando Duda Mendonça ajeitou a barba e os ternos do eterno candidato petista.

    É bom lembrar igualmente que o Lula líder sindical não defendia jamais a tomada das fábricas pelos operários. Queria apenas que os que fabricavam automóveis tivessem renda suficiente para comprá-los.
    Combina com a pesquisa agora divulgada, quando ela constata, segundo a FPA, que a periferia "busca transformações mas é pouco afeita à rupturas".

    O prestígio posterior de Lula como presidente pode, no entanto, não combinar com a pesquisa agora apresentada.

    Se é verdade que a ampliação do Bolsa Família foi –e continua a ser– o grande viveiro de votos de Lula, pelo menos os 63 da periferia de São Paulo ouvidos incluem entre seus valores "o individualismo, a ascensão pelo trabalho e o sucesso pelo mérito" –itens que combinam pouco como o assistencialismo promovido pelo poder público.

    Mas a pesquisa mostra também uma mistura "com valores mais solidários e coletivistas relacionados à atuação do Estado, à universalização de direitos, à ampliação da inclusão social".

    Tudo somado, fica faltando uma pesquisa de fato abrangente que dê conta dos "valores" da periferia, não apenas a de São Paulo, e que ajude a entender esse que é o maior contingente eleitoral do país.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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