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    Clóvis Rossi

    O mundo acabou, cadê o Brasil?

    01/06/2017 02h00

    Um punhado de analistas muito bem equipados decretou que acabou o mundo (ocidental) como configurado nos últimos 70 anos, pouco mais ou menos.

    O atestado de óbito teria sido firmado por Angela Merkel, a chanceler alemã, mas a "causa mortis" foi Donald Trump, com a cumplicidade do "brexit", a saída do Reino Unido da União Europeia.

    Filippo Monteforte - 27.mai.2017/AFP
    Manifestante carrega cartaz com caricatura de Donald Trump em protesto contra reunião do G7 na Itália
    Manifestante carrega cartaz com caricatura de Donald Trump em protesto contra reunião do G7 na Itália

    Os dois eventos teriam posto em dúvida os pilares do Ocidente desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945): uma Europa cada vez mais integrada e uma aliança transatlântica à prova de chuvas e trovoadas. Não mais, segundo Merkel. Não dá mais para ter total confiança em parceiros como o Reino Unido e os EUA de Trump.

    Concorda, por exemplo, Martin Wolf, principal colunista do "Financial Times": "Vivemos em um mundo que os EUA fizeram. Agora, ele [Trump] o está desfazendo".

    Reforça Vali Nasr, da Johns Hopkins University: "Em menos de três meses, Trump está tratando de desfazer sete décadas de relações transatlânticas." Sou sempre cauteloso com avaliações definitivas sobre eventos políticos ou, no caso, geopolíticos. Ainda mais quando elas envolvem Trump, que é absurdamente imprevisível.

    Feita essa ressalva, não posso deixar de seguir o conselho de Martin Wolf, no artigo antes citado, quando ele diz que "não podemos ignorar essa sombria realidade" (a do derretimento do mundo ocidental tal como o conhecemos).

    É obviamente muito cedo para dizer o que virá agora e, além disso, meus companheiros Matias Spetkor e Mathias Alencastro estão mais bem equipados para escrever a respeito. Mas não dá para fugir de alguns palpites, pondo em discussão o papel do Brasil nesse eventual novo cenário.

    Uma primeira consequência do retraimento dos Estados Unidos, já visível antes da polêmica deste fim de semana, é o avanço da China.

    Não por acaso, China e União Europeia decidiram nesta quarta (31) formar uma "aliança verde" para enfrentar a mudança climática, sem esperar a decisão de Trump sobre ficar ou sair do Acordo de Paris —o mais consistente projeto de enfrentamento da mudança climática.

    O Brasil foi importante nas discussões prévias, e é razoável supor que continua defendendo o Acordo de Paris. O problema é que a crise tornou o governo primeiro inoperante e, em seguida, inexistente, a partir das denúncias da JBS.

    Dificilmente haverá um governo operativo, qualquer que seja, em tempo de ter uma voz forte nas discussões sobre clima, por exemplo, no G20 de julho, na Alemanha.

    Da mesma forma, o retraimento dos Estados Unidos é uma punhalada no multilateralismo —desde sempre a grande aposta da diplomacia brasileira. Seria conveniente que pelo menos a academia, os sindicatos e o empresariado começassem já a discutir como manter essa aposta ou, se for o caso, como alterá-la no novo panorama global.

    Esperar que o governo o faça é inútil. Até ao menos 2019, não parece haver chance. Tudo somado, o Brasil, que a crise já apequenou, corre o risco de ficar fora desse novo —e desconhecido— mundo.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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