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    Clóvis Rossi

    Enfim, um apelo ao diálogo, única saída

    01/06/2017 15h30

    Aleluia, finalmente um punhado de gente qualificada coloca na agenda a palavra mágica —diálogo— que é absolutamente indispensável para que o Brasil pelo menos comece a tentar sair da balbúrdia em que estamos todos metidos.

    "Conclamamos a sociedade brasileira, em especial suas lideranças, a renovar o compromisso com o diálogo construtivo e responsável, apelando a todos para que abram mão de tentações autoritárias, conveniências e apegos pessoais ou partidários em prol do restabelecimento do pacto democrático no país. Somente assim será possível a retomada de um novo ciclo de desenvolvimento, legitimado pelo voto popular e em consonância com os ideais de justiça socioambiental e de respeito aos direitos humanos."

    É o que pede um grupo de cerca de cem servidores (as) do Itamaraty, a grande maioria, se não todos, diplomatas jovens.

    É o documento "Diplomacia e Democracia", que já está na internet.

    02.fev.2017/Ricardo Stuckert
    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, acompanhado do ex-ministro José Gregori, fez uma visita de condolências ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que os recebeu com o ex-ministro Celso Amorim.
    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso visita Luiz Inácio Lula da Silva em fevereiro

    O texto, após reconhecer o óbvio (a persistente instabilidade política), defende "a retomada do diálogo e de consensos mínimos na sociedade brasileira, fundamentais para a superação do impasse".

    De alguma maneira, a iniciativa da jovem guarda diplomática retoma uma proposta de um dos mais ilustres representantes do Itamaraty, o ex-chanceler Celso Amorim, embora seja totalmente independente dela.

    Amorim, conforme a Folha já relatou, propôs a Luiz Inácio Lula da Silva e a Fernando Henrique Cardoso um diálogo em torno da reforma política, com o objetivo de devolver a esperança ao Brasil.

    Uma proposta secundada por José Gregori, ex-ministro de FHC, que também participou do diálogo, travado no hospital em que a mulher de Lula, Marisa Letícia, agonizava.

    O texto da Folha a respeito dessa proposta foi crivado de balas, nas redes sociais, pelos dois lados. Alguns desqualificaram o autor do texto, como se ele tivesse elaborado a proposta, em vez de ter sido apenas o anunciador dela.

    A grande maioria desqualificava ou Lula ou FHC ou ambos.

    Dá ideia da dificuldade de transformar a proposta dos diplomatas em mais do que palavras ao vento —dificuldade de que seus autores têm plena consciência.

    Até no âmbito interno, da diplomacia, a dificuldade existe: assim que o documento começou a circular, a ADB (Associação de Diplomatas Brasileiros) avisou que a iniciativa "não conta com o endosso" dela.

    Alega a Associação que "cabe aos servidores da carreira diplomática preservar o espírito de institucionalidade que caracteriza a diplomacia brasileira, o que é incompatível com manifestações de cunho político-partidário".

    Não dá para entender: chamar todas as lideranças ao diálogo não é manifestação partidária, acho eu.

    Para ser sincero, sou cético em relação à possibilidade de que o diálogo prospere porque nos últimos muitos anos os dois lados (vou chamá-los de direita e esquerda, apenas por simplificação) simplesmente transformaram a conversa em gritaria e os adversários em inimigos.

    Claro que inimigos não dialogam, eliminam uns aos outros.

    O problema é que não é possível eliminar um ou o outro ou ambos. O que o Brasil tem para hoje e pelo horizonte que se pode avistar é FHC e Lula, se tomados como expressões principais de um lado e de outro.

    Logo, ou decidem crescer e, como pedem os diplomatas jovens, conclamar "a sociedade brasileira, em especial suas lideranças, a renovar o compromisso com o diálogo construtivo e responsável", ou o país continuará deslizando para o mais profundo dos infernos.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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