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    Clóvis Rossi

    Atentados mostram que EUA erram ao colocar Irã como financiador do terror

    08/06/2017 02h47

    Suspeito que os atentados terroristas desta quarta-feira (7) em Teerã não despertarão, na mídia ocidental, a mesma comoção de ataques semelhantes em capitais europeias, como o da ponte de Londres, no fim de semana.

    É um erro sob dois pontos de vista: primeiro, o humanitário. Vidas humanas são sempre preciosas, sejam persas ou arianas, brancas ou negras, muçulmanas ou cristãs. E, no Irã, morreram mais pessoas (12) do que em Londres (7).

    O segundo erro é estratégico: se o Ocidente quer combater o terrorismo, é um equívoco escolher o Irã como alvo, como fez Donald Trump na sua viagem à Arábia Saudita.

    Os atentados desta quarta servem para realçar o fato, que deveria ser óbvio, de que o Irã entrou no radar do terrorismo, em vez de ser seu patrocinador.

    Teerã tem vínculos com o Hizbullah libanês, que é considerado terrorista por países ocidentais. Mas o Hizbullah não atua no Ocidente.

    Quem tem reivindicado atentados no Ocidente é o Estado Islâmico, que também assumiu como próprios os ataques em Teerã. O EI é sunita; o Irã é controlado pelos xiitas, inimigos dos sunitas.

    Em artigo recente para o "Washington Post", Fareed Zakaria cita a base de dados sobre Terrorismo Global do King's College que mostra que "mais de 94% das mortes causadas por terrorismo islâmico desde 2001 foram perpetradas pelo Estado Islâmico, pela Al Qaeda e outros combatentes sunitas".

    "O Irã está enfrentando esses grupos, não estimulando-os." Completa: "Quase todo ataque terrorista no Ocidente teve alguma conexão com a Arábia Saudita. Virtualmente nenhum foi ligado ao Irã."

    Essa argumentação é reforçada pelas informações de que o EI expandiu recentemente sua campanha para recrutar iranianos (da minoria sunita, como é óbvio).

    "No fim de março, o EI difundiu um raro vídeo em persa no qual convocava a minoria sunita do Irã para se rebelar contra o establishment xiita", escreve Golnaz Esfandiari, blogueira do "Letras Persas", para a Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade.

    É razoável supor que os atentados desta quarta tenham origem semelhante aos praticados em capitais ocidentais: radicais sunitas "adormecidos" despertam para a violência ao toque de atenção da propaganda do EI.

    A propósito de estratégia antiterrorista, outro erro é apoiar o isolamento do Qatar pelos seus até há pouco parceiros no Golfo Pérsico, liderados pela Arábia Saudita.

    O pretexto é o de que o Qatar ajuda a financiar o terrorismo e tem laços com o Irã, tradicional rival saudita na região.

    De novo, há muito mais evidências contra os sauditas do que contra o Qatar. Mais provável é que esteja certo o jornalista Raymond Barrett, ao escrever para o "New York Times" que "Doha está sendo punida por seu desejo de reconhecer que o Irã ocupa uma posição como importante poder regional e que facções políticas islamistas como Hamas [que controla a faixa de Gaza] e Hizbullah têm um papel a desempenhar na determinação do futuro do Oriente Médio".

    Pinçar santos e demônios nesse universo é fugir da realidade.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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