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    Clóvis Rossi

    Um país cada vez mais degradado

    12/06/2017 13h42

    Marlene Bergamo/Folhapress
    Ministro Gilmar Mendes no plenário do TSE no último dia do julgamento que absolveu chapa Dilma-Temer
    Ministro Gilmar Mendes no plenário do TSE no último dia do julgamento que absolveu chapa Dilma-Temer

    A decisão do TSE sobre a chapa Dilma/Temer tornou ainda mais degradado um ambiente que já era insalubre antes.

    Fico com a desagradável sensação de que o Brasil vive um momento similar a um instante da campanha presidencial de 1989, envolvendo o candidato Luiz Inácio Lula da Silva.

    A caravana de Lula, que ainda não tinha o financiamento da Odebrecht e de outras empreiteiras, voava em aviões de carreira e ficou retida em um aeroporto do interior do Paraná.

    Enquanto isso, seu principal adversário, Fernando Collor de Mello, cruzava o país, de cidade em cidade, a bordo de jatinhos (ele, sim, era financiado pelos donos do dinheiro).

    José Carlos Espinoza, sindicalista dos metroviários, 2m02 de altura, sobrenome e alma de filósofo, segurança informal de Lula à época, cansou-se da espera, aproximou-se do chefe e disse-lhe:

    "Olha, Lula, se tudo der certo, se tudo sair de acordo com o planejado, se nada der errado, nós estamos é ferrados".

    "Ferrados" não foi bem a palavra que usou, mas preservemos ao menos um pouco de recato neste país degradado.

    Parêntesis para dizer que, se naquela eleição, Lula de fato "se ferrou", acabou ganhando em 2002 e o "filósofo" Espinoza foi contemplado com a chefia do escritório da Presidência em São Paulo. Ninguém é de ferro.

    Volto ao Brasil de 2017. Se Temer tivesse seu mandato cassado pelo TSE, a crise política estaria encerrada? Óbvio que não.

    Primeiro porque caberia recurso e sabe-se lá por quanto tempo se arrastaria o processo, mantendo-se na Presidência um cidadão notoriamente inadequado para o cargo.

    Se Temer tivesse estofo presidencial, teria sido cogitado em algum momento de sua longa vida pública pelo menos para prefeito de sua cidade. Nunca o foi. Logo, jamais alguém em seu juízo perfeito, nele pensaria para presidente da República, com ou sem sua amizade com o pessoal da JBS, com ou sem uma penca de amigos encalacrados na Lava Jato.

    Mas digamos que a tal "vox populi" fosse ouvida pelo TSE e Temer caísse. Fim da crise? Não.

    Haveria, de um lado, o desejo da maioria dos congressistas de manter o privilégio de escolherem eles, e não o eleitorado, o novo presidente. Do outro lado, a pressão de grande parte do público por eleição direta, o que demandaria uma emenda constitucional de tramitação demorada, em meio a uma situação econômico-social desastrosa.

    Considerados o poder da rua e o poder dos grandes interesses envolvidos, a lógica elementar diria que a eleição seria mesmo indireta.

    Aí, o risco seria (ou será, porque a cabeça de Temer continua à procura de uma guilhotina) a eleição de Rodrigo Maia, apontado como favorito de seus pares.

    É outra mediocridade como Temer, mas com menos experiência.

    Será que o Brasil aguentaria três governantes medíocres em sequência? Não dá para esquecer que Dilma Rousseff conduziu o país à mais profunda e prolongada recessão de sua história - prova factual de seu despreparo para o cargo.

    Até simpatizo com a candidatura do professor Modesto Carvalhosa, que se autolançou. É limpo, sério, não faz parte das seitas que se matam (retoricamente) entre si, aos gritos, turvando o debate.

    Mas como dificilmente os parlamentares abrirão mão do poder que lhes dá uma votação indireta, só resta repetir Espinoza: "Estamos é ferrados".

    crossi@uol.com.br

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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