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    Clóvis Rossi

    Igreja do México rende-se ao narcotráfico

    14/06/2017 15h21

    Associated Press
    This image released by The Orchard shows an Autodefensa member standing guard in Michoacan, Mexico in a scene from the documentary, "Cartel Land." The film, directed by Matthew Heineman, is nominated for an Oscar for best documentary feature. The 88th annual Academy Awards will take place on Sunday, Feb. 28, at the Dolby Theatre in Los Angeles. (Our Time Projects/The Documentary Group Productions/The Orchard via AP) ORG XMIT: NYET112
    Miliciano faz vigia em Michoacan, no México, em cena do documentário "Cartel Land"

    O México está vivendo uma situação que, talvez, acabe ocorrendo também no Brasil: uma de suas instituições principais, a Igreja católica, acaba de aceitar o narcotráfico como interlocutor necessário para escapar da violência.

    O semanário "Desde la Fe", parte do sistema de comunicação da Arquidiocese do México, publicou editorial no domingo (11) em que respalda a iniciativa do bispo de Chilpancingo-Chilapa, monsenhor Salvador Rangel Mendoza, de revelar "a aproximação que manteve com membros da delinquência para assegurar o que as autoridades já não garantem: segurança".

    Os fatos relatados no editorial demonstram cabalmente o estado de insegurança em que vive o país há décadas. Um só dos fatos citados: em apenas um Estado (Veracruz) e só de janeiro até abril passado, ocorreram 620 mortes violentas. Mais: no Estado de Guerrero, todos os dias são relatados assassinatos sem controle.

    Como não poderia deixar de fazê-lo, o semanário se queixa de que "o clero (...) não se salva desse horror, que não se viu nem sequer na era do comunismo e nas perseguições religiosas".

    Foi essa perseguição, somada à "ausência de autoridade que controle o crime", que provocou o diálogo do bispo com a delinquência. Ou, como prefere o editorial, fez com que "atores com autoridade moral saíssem a mostrar a cara para acordar, pelo menos, algumas cláusulas de paz e segurança para certos setores que, no passado, gozavam de respeito".

    A igreja mexicana relata que as autoridades se irritaram com o diálogo aberto por monsenhor Rangel Mendoza com a criminalidade. Mas vai ao ataque para defender essa atitude:

    "A realidade é que o México vive na pobreza e na miséria, que são campo fértil para a delinquência e a corrupção. A intervenção do clero para deter estas condições é reação ante o vazio de poder institucional."

    Tenho a impressão de que é uma descrição que vale também para o Brasil, exceto pela "intervenção do clero" que aqui não houve, até onde se sabe.

    Mas há, sim, a impotência do poder público ante a violência.

    O que fazer? A resposta de uma parte da igreja mexicana foi entronizar o narcotráfico como ator político, ao negociar com ele para obter segurança ao menos para os prelados –o que é pouco e é egoísta, do meu ponto de vista, além de colocar a lei e a ordem nas mãos dos que violam ambas.

    Prevalece, de todo modo, o fato de que a guerra ao tráfico não está funcionando, nem no México nem no Brasil. Mas há uma imensa resistência a pelo menos debater alternativas, quanto mais tentar implantá-las.

    A rendição acaba sendo o caminho para alguns.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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