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    Clóvis Rossi

    Vergonha do Brasil, eu tinha antes; orgulho, não

    26/06/2017 15h46

    Se eu tivesse sido pesquisado pelo Datafolha sobre sentir vergonha ou orgulho do Brasil, meu primeiro pensamento teria sido responder "vergonha". Mas o segundo teria sido "nenhuma nem o outro".

    Explico: vergonha mesmo, daquelas sufocantes, senti em 1973, no período mais duro da ditadura militar. Estava em Buenos Aires, com minha mulher e meus amigos Ricardo e Mara Kotscho, e fomos assistir "Estado de Sítio", o filme de Costa-Gavras que estava proibido no Brasil.

    À certa altura, a tela mostra uma cena de tortura e, ao fundo, a bandeira do Brasil. Tivemos vontade, os quatro, conforme comentamos depois, de nos enfiarmos debaixo das poltronas, de vergonha.

    Essa época, sim, era motivo de vergonha do Brasil.

    Éramos primitivos e selvagens. Hoje, o país continua primitivo mas é algo menos selvagem. Não chega a ser, claro, motivo de orgulho, daí porque minha tendência seria responder à pesquisa com "nenhuma das duas escolhas".

    É claro que dá vergonha de ver o lamaçal em que a pátria está mergulhada. É igualmente claro que o lamaçal é o principal responsável pelo fato de a vergonha pelo Brasil ter quase duplicado este ano, passando dos 28% de dezembro passado para 47% agora.

    O problema aí é que deveríamos ter sentido vergonha antes. O que está acontecendo agora é apenas a revelação de um fenômeno antigo, o que não deixa de ser uma faceta positiva do Brasil atual. Investigar e punir a corrupção é um avanço institucional.

    Não custa lembrar que o país sempre esteve mal colocado no ranking da Transparência Internacional, o que mede a percepção de corrupção (no mais recente deles, relativo a 2016, ocupava a 79ª posição de um total de 176 países).

    Em praticamente todos os rankings internacionais, dos mais diferentes assuntos, o Brasil fica em posição vergonhosa –e é assim desde que minha memória alcança.

    Por isso mesmo, jamais entendi aquela musiquinha que diz "sou brasileiro/com muito orgulho/com muito amor".

    Amor, ok. Amor dispensa explicações, racionalidade, estatística. Mas orgulho? Orgulho do quê, caras pálidas?

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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