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    Clóvis Rossi

    Reação de Temer é pior que a denúncia

    28/06/2017 12h28

    Pedro Ladeira/Folhapress
    BRASÍLIA, DF, 21.05.2017: MICHEL-TEMER - O presidente Michel Temer concede entrevista exclusiva à Folha na biblioteca do Palácio da Alvorada em Brasília. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
    O presidente Michel Temer, durante entrevista exclusiva à Folha em Brasília, em maio

    Mais grave do que a denúncia contra o presidente Michel Temer foi a reação a ela do próprio presidente. Com esta, Temer despiu-se do que restava da dignidade do cargo, veste que já era andrajos desde a noite em que recebeu, nos subterrâneos do Jaburu, o "notório criminoso" chamado Joesley Batista.

    "Notório criminoso", caso alguém não se lembre, foi o rótulo empregado recentemente pelo próprio Temer, que, no entanto, só descobriu essa característica no seu interlocutor (e financiador, segundo a denúncia da Procuradoria) junto com todos os demais brasileiros. Inocente, coitado.

    A reação do presidente mergulha com todo o gosto nos "fatos alternativos", a maneira moderna de difundir inverdades, o que demonstra que Donald Trump está fazendo escola.

    Primeiro "fato alternativo": a insinuação de que o trabalho da Procuradoria é apenas uma tentativa de colocar obstáculos à genial gestão Temer: "'E exatamente neste momento, em que nós estamos colocando o país nos trilhos, é que somos vítimas dessa infâmia de natureza política", disse o presidente.

    Ainda que fosse verdade que o país está entrando nos trilhos, qual seria o interesse em prejudicar essa possibilidade? Minar a popularidade de Temer? Ninguém precisa fazê-lo: já começou baixa desde a posse e só fez desandar desde então.

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    BRASILIA, DF, BRASIL, 27-06-2017, 15h30: O Presidente Michel Temer, faz discurso acompanhado de Deputados Federais, no Palacio do Planalto, em Brasilia. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, PODER)
    Michel Temer faz discurso no Palácio do Planalto, em Brasilia

    O mais grave nem é essa teoria conspiratória descabelada. É a vil insinuação de corrupção contra Rodrigo Janot. Insinuação que Temer, cinicamente, chama de ilação autorizada pela circunstância de que o procurador-geral, sempre segundo o presidente, usou de uma ilação para denunciá-lo.

    A ilação de Temer usa o ex-procurador Marcello Miller, que deixou a Procuradoria para atuar em escritório de advocacia que negociou acordo de leniência da JBS, a empresa do "notório criminoso" Joesley Batista.
    Temer vai além: insinua que, assim como Janot sugere que Rodrigo Rocha Loures atuou em nome de Temer, Marcello Miller foi o "homem da mala" de Janot.

    Que baixeza. São duas situações incomparáveis, por vários motivos, entre eles:

    1 - Miller ganhou dinheiro legalmente, atuando como advogado. Não deveria, é claro, ter passado tão rapidamente pela porta giratória que dá acesso da Procuradoria ao setor privado, mas nada na lei o impede.
    Já Rocha Loures foi flagrado com uma mala de dinheiro que recebeu de um agente da JBS, pouco depois de ter sido designado como homem da estrita confiança do presidente.

    2 - Janot não recebeu Joesley, pelo menos até onde se sabe, na calada da noite. Temer, sim, o fez, para uma conversa em que deixou a dignidade do cargo na portaria, aquela portaria em que o "notório criminoso" não deu o nome –atitude aplaudida pelo presidente.

    Vamos combinar o óbvio, já que Temer está fugindo dos fatos: aqui quem tem que se defender é Temer, apresentando argumentos convincentes, em vez de "fatos alternativos" e ataques a quem, por dever de ofício, o acusa.

    Essa tática presidencial pode até dar certo, pelo menos aos olhos dos que vão julgá-lo no Congresso, boa parte dos quais igualmente sob suspeição. Mas é de uma indignidade assustadora.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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