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    Clóvis Rossi

    Não basta reclamar, é preciso participar

    12/07/2017 11h07

    Terminei de ver o "Jornal Nacional" desta terça-feira (11) com uma sensação de asco pelo que ele mostrou da crescente putrefação da política brasileira.

    Suspeito que boa parte dos brasileiros tem sensação parecida, como indicam as pesquisas sobre a insatisfação com os partidos e com os políticos à disposição no supermercado eleitoral brasileiro.

    Mas, como faz muito tempo que escrevo que o mundo político descolou-se da realidade e passou a ser um planeta à parte, que só se move em função de seus próprios interesses, é hora de mudar o disco.

    Recente coluna no "New York Times" fornece preciosos elementos para uma abordagem que vá muito além da crítica.

    Eduardo Anizelli - 27.jun.2017/Folhapress
    BRASILIA, DF, BRASIL, 27-06-2017, 15h30: O Presidente Michel Temer, faz discurso acompanhado de Deputados Federais, no Palacio do Planalto, em Brasilia. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, PODER)
    O presidente Michel Temer discursa no Palácio do Planalto em junho

    Primeiro porque seu autor, o cientista político Eitan Hersh, demonstra que esse desencanto existe também, aparentemente em larga escala, nos Estados Unidos, uma das democracias mais antigas e consolidadas do planeta.

    Hersh cunha até um neologismo ("political hobbyism" ou, aproximadamente, tomar a política como hobby) para descrever a atitude de muitos americanos.

    Significa que esse grupo segue a política intensamente e se preocupa apaixonadamente por ela. "Mas não fazem muito com essa paixão. Não fazem muito trabalho de política nas bases", que o autor reconhece ser "duro, frequentemente frustrante mas também potencialmente impactante".

    Vale para os Estados Unidos, vale para o Brasil ou, pelo menos, para a parcela dos brasileiros que se interessa por política, como, acredito, é o caso de parte importante dos leitores desta Folha.

    A graça da coluna é que Hersh não se limita à constatação. Pelo Twitter, em resposta aos leitores que cobraram sugestões construtivas, o cientista político disse o seguinte:

    1 - "Filie-se à organização política local. Você não precisa concordar com tudo que ela defende. Você pode, na verdade, ajudar a moldar o que ela deve defender".

    Faço minha a sugestão aos brasileiros descontentes com a política. Achar, como muitos acham, que a política é coisa suja e, portanto, não vale a pena sujar-se com ela é a melhor maneira de perpetuar o deletério quadro que o jornalismo coloca à vista de todos, dia após dia.

    2 - "Use a organização local do partido com um veículo para a obtenção de metas. Cem anos atrás, os partidos entregavam comida e vacinas para os pobres. Qual é a sua versão para o século 21?".

    À parte o fato de que, em pleno século 21, distribuir comida ainda é, no Brasil, uma maneira de angariar votos para perpetuar coronéis no poder, a sugestão é igualmente válida por aqui.

    Se você é, por exemplo, simpático ao PSDB, ingressar no partido pode ser um caminho para que ele ultrapasse essa indigente discussão sobre ficar ou sair do governo Temer para passar a discutir que agenda adotar para sair ou para ficar.

    Vale o mesmo raciocínio para inclinados pelo PT. Que tal ajudar o partido a ir além da birra infantil de ocupar a mesa do Senado, uma palhaçada além de tudo inútil (tão inútil que o projeto que pretendiam bloquear acabou aprovado –e por larga margem)?

    Gritar "Fora Temer" é um direito inalienável de qualquer opositor, mas não seria o caso de dizer claramente o que se quer pôr no lugar, sem as "bravatas" que, segundo Lula, era o que o PT propunha antes de chegar ao governo?

    Hersh conclui sua análise com a afirmação, igualmente correta, de que mudanças sociais requerem "comprometer-se com instituições imperfeitas".

    Tudo o que o Brasil tem são instituições imperfeitas e tudo de que precisa é de mudanças sociais. Ficar só reclamando é o caminho perfeito para perpetuar esse cenário vergonhoso.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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