• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 20:34:33 -03
    Clóvis Rossi

    Quando uma morte expõe a selvageria de um país

    21/07/2017 14h15

    Raquel Cunha - 3.abr.2014/Folhapress
    Marco Aurélio Garcia, assessor da Presidência nos governos do PT e fundador do partido, que morreu nesta quinta aos 76 anos
    Marco Aurélio Garcia, ex-assessor especial da Presidência, em foto de 2014

    Alguém, no Facebook, chamou a atenção para os comentários a respeito da nota oficial do chanceler Aloysio Nunes Ferreira sobre a morte de Marco Aurélio Garcia, o assessor internacional dos presidentes Lula e Dilma.

    Leio pouco os comentários não só no Facebook como no online desta Folha, porque a grande maioria é escrita com o fígado e não com o cérebro. E o fígado é um péssimo conselheiro. Não permite que se diga algo aproveitável.

    Mesmo partindo dessa suposição, fiquei chocado com a quantidade de ódio vertida nesses comentários, tanto contra Marco Aurélio como contra Aloysio.

    A nota do chanceler é digna. Reproduzo o essencial dela:

    "Recebi, com pesar, a notícia da morte do professor Marco Aurélio Garcia. Eu o conheci na nossa mocidade, fomos companheiros de exílio. No magistério, assim como na política, ele agiu com firmeza e coerência na promoção de sua visão do Brasil e do mundo e por isso teve minha estima. Nossos caminhos divergiram. No entanto, mantivemos uma relação cordial e era sempre um prazer renovado, quando o encontrava, desfrutar de sua prosa culta e inteligente".

    É uma demonstração acabada de civilidade. E a odienta reação a ela demonstra que a vida civilizada no Brasil está em vias de extinção. Não há mais adversários que divergem mas que, ainda assim, mantêm "uma relação cordial". Há apenas inimigos a abater.

    Aliás, o diálogo nem precisa ser cordial. Basta que se aceite o fato de que, em política, o essencial é dialogar, em vez de pura e simplesmente desqualificar o contrário, vivo ou morto.

    A selvageria que tomou conta do país faz com que a esquerda saque do coldre o rótulo "neoliberal" e com ele acha que desclassifica o outro lado. A direita, por sua vez, grita "esquerdista" e acha que o sujeito que merece esse rótulo está condenado à danação eterna.

    Pode até ser divertido participar desse jogo cretino, mas há um problema: cuspir um rótulo não faz com que o rotulado desapareça da face da Terra. Nem permite que se construa um projeto qualquer de país que vá além de rótulos, platitudes, generalidades e bobagens.

    Com isso, o Brasil vai ficando mais e mais primitivo, mais e mais selvagem.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024