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    Clóvis Rossi

    Com Caracas, dureza e ternura

    27/07/2017 02h00

    Em relação à Venezuela, a diplomacia brasileira está mais ou menos como pregava frase famosa atribuída a Ernesto Guevara, o "Che": pode endurecer, mas não pretende perder a ternura jamais.

    Ou, em termos práticos, está pronto para fazer parte de um grupo de amigos da Venezuela de âmbito regional, tal como proposto nesta quarta-feira (26) pela União Europeia, mas está igualmente preparado para endurecer a pressão diplomática sobre o governo de Nicolás Maduro.

    Pilar Olivares - 16.jul.2017/Reuters
    Venezuelano tira foto ao lado de faixa pedindo socorro em centro de votação do plebiscito no Rio
    Venezuelano tira foto ao lado de faixa pedindo socorro em centro de votação do plebiscito no Rio

    O argumento para adotar uma ou a outra atitude é, curiosamente, o mesmo: "O colapso da Venezuela afetaria principalmente o Brasil e a Colômbia", diz o chanceler Aloysio Nunes Ferreira Filho.

    Logo, deve-se fazer tudo o que se puder para evitar o colapso, partindo do princípio de que a negociação entre governo e oposição é indispensável, de preferência com participação de atores externos.

    Por isso, o Brasil está aberto a participar de um eventual grupo de amigos, "desde que haja garantias de que a negociação será séria", ressalva o chanceler.

    É a mesma condição imposta por Manuel Avendaño, responsável pelas relações internacionais do Vontade Popular, um dos principais partidos da MUD (Mesa de Unidade Democrática), a grande coalizão opositora. Avendaño, aliás, confirma informação já publicada pela Folha de que há uma incipiente negociação entre as duas partes para achar uma saída. Mas não houve, até agora, nenhuma aproximação minimamente promissora.

    Significa que não há a menor perspectiva de que o governo aceite suspender a eleição para a Assembleia Constituinte, convocada para domingo (30). Rejeita, portanto, pedido da oposição, apoiado pelo Brasil e por todos os principais países americanos e pela União Europeia, entre muitos outros atores.

    Por isso, entra a outra face da posição brasileira, a do endurecimento diplomático, na expectativa de que, em algum momento, o governo se convença de que não há saída que não seja a negociação.

    Afinal, o colapso continuaria presente no panorama venezuelano, caso o governo vá em frente com a Constituinte. É o que diz Diego Moya-Ocampos, analista-sênior para as Américas da empresa de análise de riscos IHS: "A provável decisão de continuar com a Assembleia Constituinte ameaça ter um alto custo político e econômico, em termos de isolamento internacional, sanções e vítimas de uma escalada de protestos, aumentando o risco de um colapso do regime em uma perspectiva de dois anos."

    É bom deixar claro que o endurecimento brasileiro, se vier a ocorrer, não inclui nem sanções nem rompimento de relações diplomáticas. "Teríamos que fechar as fronteiras, seria quase uma declaração de guerra", diz Aloysio.

    O que eventualmente virá, para começar, é avançar, no Mercosul, com a aplicação do Protocolo de Ushuaia, que prevê sanções no caso do rompimento da ordem democrática (o que o Brasil acha que já ocorreu em Caracas).

    Mas o Brasil espera o domingo para ver o caminho a seguir, se ternura ou endurecimento —ou uma combinação dos dois.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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