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    Clóvis Rossi

    Uma ditadura bem ali na esquina

    30/07/2017 02h00

    A Venezuela dá neste domingo (30) o passo final para a instalação de uma ditadura.

    Foi "despacito", para citar um sucesso mundial. Hugo Chávez foi comendo a democracia pelas bordas, pouco a pouco, mas preservou ao menos o centro do prato, na forma de eleições razoavelmente livres.

    Sabia que podia ganhá-las porque a bonança petrolífera lhe assegurava recursos para programas sociais que fizeram com que os pobres, pela primeira vez na história venezuelana, sentissem a presença do Estado. Na década passada, que foi a década chavista, entrou nos cofres públicos a impressionante soma de US$ 1 trilhão, o que equivale a quase 2/3 do PIB brasileiro atual.

    É verdade que parte importante desse dinheiro foi desviada pela corrupção, mas a maior parte foi mesmo para programas sociais –o suficiente para que ainda hoje, em meio a uma devastadora crise, 53% dos venezuelanos tenham opinião favorável de Chávez, segundo o respeitado instituto Datanalisis.

    Quando o maná do petróleo secou, foi ruindo toda a construção dita bolivariana, para o que contribuiu enormemente a escolha por Chávez de um total incompetente para substituí-lo.

    Nicolás Maduro só fez acentuar os defeitos do modelo econômico chavista e o estímulo à corrupção, a ponto de a revista "The Economist", no número que está nas bancas, inventar o neologismo "thugocracy" (governo de gângsters) para definir o regime venezuelano.

    É essa aberração que tenta se consolidar a partir deste domingo. Se conseguir, a América do Sul volta a ter uma ditadura depois que desapareceu a safra anterior, nos anos 1980/90. Triste, ainda mais que a Venezuela foi dos poucos países da região a escapar das ditaduras que a infestaram.

    Alguns energúmenos de esquerda ainda acham que seja algo aceitável por se tratar de um "governo popular e anti-imperialista". Rematada tolice. É uma ditadura igual às que dominaram a América Latina em outras épocas.

    Maduro não é diferente dos Somoza da Nicarágua ou Alfredo Stroessner do Paraguai. Ou, para ficar na Venezuela, de Marcos Pérez Jiménez, que governou de 1952 a 1958. Todas foram combatidas pela esquerda da época –o que só prova que a esquerda atual está esclerosada.

    O que torna mais triste a situação é que o mundo assiste impassível à derrocada venezuelana, como vê impassível uma derrocada ainda mais impressionante como a síria.

    O que podem os vizinhos, Brasil inclusive, fazer com a Venezuela? Um primeiro passo seria acentuar drasticamente a pressão diplomática para que o regime aceite não instalar imediatamente a Constituinte a ser eleita neste domingo. Se começar a funcionar, será a consolidação da ditadura e um salto no escuro, ante a previsível reação da oposição.

    Se, no entanto, houver um intervalo entre a eleição e a instalação da Constituinte, abre-se espaço para um diálogo governo/oposição, que parece ser o único caminho viável para começar a sair do caos.

    Para isso, no entanto, é preciso grandeza de parte do regime –tudo o que ele jamais mostrou até agora.

    crossi@uol.com.br

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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