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    Clóvis Rossi

    Nicolás Maduro nem fraude consegue fazer direito

    31/07/2017 15h17

    Ronaldo Schemidt/AFP
    O presidente da Venezuela Nicolás Maduro celebra os resultados da Assembleia Constituinte, em Caracas
    Nicolás Maduro celebra os resultados da Assembleia Constituinte, em Caracas

    A ditadura venezuelana é tão absurdamente incompetente que nem mesmo uma fraude eleitoral ela é capaz de fazer bem feita: qualquer ditadura das antigas apresentava resultados espetaculares capazes de mostrar um insuperável apoio popular.

    A da Venezuela, não: anuncia que votaram 8 milhões de pessoas, o que dá 41,53% do eleitorado total (pouco menos de 20 milhões). Ainda que seja verdade, o governo está anunciando oficialmente que a maioria dos venezuelanos (os 58,5% restantes) são contra a Assembleia Constituinte.

    Tão contra que nem se deram ao trabalho de comparecer às urnas, apesar das ameaças e pressões do governo.

    Com esse resultado, a Constituinte, que já era ilegítima, torna-se também desmoralizada. E reforça-se a legitimidade da Assembleia Nacional, hoje controlada pela oposição, na medida em que, para eleger seus integrantes, mobilizaram-se há dois anos 74,17% dos eleitores, quase o dobro, portanto, do que Maduro anuncia agora.

    O mais provável, no entanto, é que o número oficial deste domingo (30) foi artificialmente inflado, uma avaliação que não é apenas da oposição e de incontáveis governos mundo afora.

    É também de um fiel chavista, o sociólogo Nicmer Evans, que acaba de deixar o grupo "Marea Socialista" para integrar-se a uma plataforma de defesa da Constituição que Maduro quer mudar.

    "Essa Constituinte nasce em um banho de sangue. Nasce ilegítima porque é muito difícil determinar o número de votantes, mas tecnicamente nós podemos verificar que houve numerosas irregularidades", afirmou Evans, segundo "Le Monde".

    Que o comparecimento foi inflado pelo governo, fica claro pelo relato de jornalistas como a excelente Sylvia Colombo, que conhece bem todos os caminhos da América Latina, e registrou nesta Folha baixa afluência de votantes.

    "Le Monde" e "El País" fizeram registros semelhantes.

    Na GloboNews, dois de seus jornalistas cruzaram a fronteira para visitarem Santa Elena de Uairén. Foram a dois colégios eleitorais e não viram eleitor algum. É razoável acreditar que só a cidadezinha fronteiriça é um invencível polo de resistência à ditadura?

    Relatos à parte, há a mais elementar lógica: nas eleições legislativas anteriores (2015) votaram no partido do governo 5,599 milhões de eleitores (a oposição teve 7,7 milhões).

    Como a situação econômica e social só fez piorar dramaticamente de lá para cá, não tem a menor lógica imaginar que o número de eleitores em uma proposta governista subisse de 5,599 milhões para os 8 milhões anunciados pelo governo.

    Quem é que vota em qualquer projeto do governo quando a inflação deve atingir 1.700% este ano, quando faltam comida e remédios, quando o PIB recuou 20,7% desde 2014, quando a criminalidade é a segunda maior das Américas e quando a violência do governo e seus paramilitares matou mais de 100 pessoas só nos últimos 100 dias?

    Mudar esse quadro não depende de uma Constituinte, ainda mais fraudulenta, e sim de uma drástica reformulação das políticas oficiais, o que o governo Maduro não tem a menor capacidade de fazer.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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