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    Clóvis Rossi

    Atacar o arqueiro, o truque para escapar das flechas

    15/09/2017 11h08

    A newsletter do excelente jornal português "Expresso" queixou-se, outro dia, de que "no Brasil começa a ficar difícil acompanhar todas as diligências da polícia e todos os casos em que surge o nome do presidente Temer".

    Tem razão, ainda mais depois da nova denúncia do procurador-geral Rodrigo Janot contra o presidente e quase todos os seus homens de confiança e/ou ministros.

    Como tenho uma dívida de gratidão com o "Expresso", pela ajuda que seus jornalistas me deram na cobertura da Revolução dos Cravos (1974), proponho-me a ajudá-los a ver o quadro.

    Não vou entrar nos meandros jurídicos, já muito bem analisados, no que se refere à denúncia mais recente, pelos professores da FGV Eloísa Machado e Rubens Glezer, em texto desta sexta-feira (15) para a Folha.

    Leonardo Benassatto - 16.ago.2017/Reuters
    Brazil's President Michel Temer reacts as he makes a presentation to investors at Santander bank in Sao Paulo, Brazil, August 16, 2017. REUTERS/Leonardo Benassatto ORG XMIT: SAO201
    O presidente Michel Temer durante evento em São Paulo

    No geral da Operação Lava Jato, Marcelo Coelho tem feito um relato indispensável, com o seu inexcedível talento habitual.

    Prendo-me, pois, ao quadro político mais amplo e mais imediato: o que está em curso é uma indecente tentativa, em especial do mundo político, mas não só, de atingir o "arqueiro" Rodrigo Janot, para desviar a atenção das flechas que ele dispara.

    Na verdade, não é correto fulanizar a ofensiva e restringi-la a Janot. Trata-se, mais amplamente, de procurar atingir o Ministério Público, a Polícia Federal e o juiz Sergio Moro (este no caso específico das flechas contra Luiz Inácio Lula da Silva).

    Claro que Janot, Moro e a PF não são deuses e, como mortais, cometem erros. Mas mais relevante que os erros dos "arqueiros" é discutir a qualidade das flechas disparadas. E, nesse caso, os fatos –não meras opiniões contra ou a favor– são definitivos. A eles, portanto:

    1 - Corruptores, como a Odebrecht, a OAS e a JBS, confessaram. Cometeram crimes e, em alguns casos, estão devolvendo dinheiro ou pagando as multas devidas.

    2 - Corruptos, caso de alguns ex-diretores da Petrobras, também confessaram, também estão devolvendo dinheiro.

    3 - Do lado político do balcão de negócios em que se transformou a política brasileira, tem-se, agora, a confissão de Antonio Palocci. Com ela, fecha-se o círculo: a Odebrecht confessa que corrompeu e um dos corrompidos (Palocci) admite os "ilícitos", para usar a expressão de Lula no seu depoimento a Sergio Moro.

    Reprodução
    O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci depõe ao juiz Sergio Moro, em Curitiba.
    O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci depõe ao juiz Sergio Moro, em Curitiba

    Tudo somado, têm-se, portanto, flechas da mais alta qualidade, seja qual for o juízo que se faça do "arqueiro".

    No caso Temer, se Janot errou ou acertou, não mudam alguns fatos inegáveis, a saber:

    1 - Rodrigo Rocha Loures tinha tanto prestígio junto ao presidente que agendou uma conversa noturna e sem registro oficial em pleno Palácio do Jaburu entre Temer e Joesley Batista.

    O encontro foi confirmado pelo próprio presidente.

    2 - Rocha Loures foi flagrado com uma mala de dinheiro, fato igualmente não desmentido, até porque a mala e o dinheiro foram entregues pelo próprio Loures à Polícia Federal.

    3 - Por que um empresário daria tanto dinheiro a uma figura em tese secundária como Rocha Loures? Só pode ser para comprar facilidades junto ao governo Temer.

    Ou, mais amplamente, como está no já citado texto de Eloísa Machado e Rubens Glezer: "A presença (da organização criminosa) na Petrobras, em Furnas, no Ministério da Integração Nacional, no Ministério da Agricultura, na Caixa Econômica Federal e até na própria Câmara era um meio para o esquema de arrecadação de propinas. A história é conhecida: empresas que queriam ser contratadas ou ter uma lei em seu benefício repassavam propina a Temer e seus aliados".

    Nem é preciso mencionar outro fato indesmentível: as malas e caixas de dinheiro apreendidas com as digitais de Geddel Vieira Lima, homem de confiança de Temer.

    Divulgação
    Polícia Federal encontra malas de dinheiro em endereço atribuído a Geddel Vieira Lima
    Malas de dinheiro em endereço atribuído a Geddel Vieira Lima em Salvador

    Em qualquer país decente, um presidente que está cercado de pessoas denunciadas seguidamente se vê compelido a renunciar.

    Já no Brasil, prefere atacar o arqueiro.

    Não é nem original. Na Operação Mãos Limpas na Itália, aconteceu a mesma coisa, conforme o relato de Maria Cristina Pinotti:

    "Avolumaram-se as denúncias na imprensa sobre abuso de poder nas investigações e foi iniciada uma verdadeira indústria de dossiês, sobretudo contra a figura principal da Operação, o juiz Di Pietro. Em meados de 1994 o conselho de ministros do novo governo aprovou um decreto lei que ficou conhecido com o nome do novo ministro da justiça [Decreto Biondi] ou, popularmente, como decreto 'salva ladrões' [salva ladri], que impedia prisão cautelar para a maioria dos crimes de corrupção. Com isso, a maior parte dos presos na Mãos Limpas foi solta, indo para prisão domiciliar, provocando um enorme dano nas investigações".

    É o que se busca fazer no Brasil, atacando o "arqueiro" para escapar de suas certeiras flechas.

    Por ser o Brasil como é, sou capaz de apostar que a indecente manobra acabará dando certo –e a lama continuará escorrendo em abundância no esgoto político.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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