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    Clóvis Rossi

    Engana que o Brasil gosta

    06/10/2017 11h26

    O que chama a atenção no caso da prisão de Carlos Arthur Nuzman, o eterno cacique do Comitê Olímpico Brasileiro, não é apenas a corrupção exposta, mas o grau de empulhação que as autoridades —as políticas e as esportivas— conseguem vender para o público, que, por sua vez, a aceita bovinamente.

    Um pouco de memória: quando o Brasil foi escolhido para ser, sucessivamente, sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, a tese vendida pelos dirigentes políticos e esportivos era a de que o país mudara de patamar, estava encaixado entre os grandes do mundo.

    Não era apenas a nação alegre e musical que o mundo admira mas também uma potência perfeitamente capaz de organizar os dois eventos que mais atenção concitam no planeta.

    O então presidente Lula, no discurso em que defendeu a candidatura do Rio, disse que havia participado fazia pouco da cúpula do G20, na qual havia sido desenhado "um novo mapa econômico mundial". Completou: "O Brasil conquistou o seu lugar" (nesse suposto novo mundo).

    Escolhido o Rio, Lula chorou, Sérgio Cabral, então governador do Rio, chorou, a delegação brasileira emocionou-se, Nuzman também chorou.

    Pena que, como se vê agora, o Brasil não conquistou seus Jogos Olímpicos por ter entrada em um suposto novo mapa-múndi econômico, mas por ter praticado seu ancestral esporte favorito, a corrupção.

    Comprou os jogos, para ser breve.

    Como se fosse pouco, a compra dos Jogos abriu a porteira para uma série de obras nas quais, como aparece na investigação em curso, houve o tradicional superfaturamento e as propinas, esquemas em que o prisioneiro Sérgio Cabral ganha medalhas de ouro —mesmo em um país em que elas são mais comuns do que arroz-com-feijão.

    O povo alegre e musical divertiu-se, no entanto, com a dupla escolha. Desandou a cantar "sou brasileiro/com muito orgulho/com muito amor".

    Passados apenas oito anos do que Lula chamara de "momento mágico", os dois máximos dirigentes do esporte brasileiro (Nuzman e José Maria Marin, da CBF) estão presos, o que só comprova o óbvio: os caciques do esporte não poderiam ser diferentes dos caciques políticos, uma penca destes também na cadeia ou denunciados ou condenados mas ainda soltos (caso de Lula, por exemplo).

    O "muito orgulho" da canção foi substituído pela vergonha, mostrou o Datafolha em junho: 47% dos brasileiros entrevistados à época afirmaram ter vergonha de serem brasileiros.

    Na noite de quinta (5), cruzei nos corredores da ESPN com Juca Kfouri, um Quixote quase solitário na denúncia dos desmandos das cúpulas do esporte.

    Juca acaba de lançar um livro de memórias cujo título diz tudo: "Confesso que perdi".

    Disse-lhe: "Ânimo, Juca, você ainda é novo o suficiente para ver um dia um país melhor".

    E ele: "Nem meus filhos verão. Quem sabe os netos".

    Que pelo menos os netos, os meus e os dele, não sejam tão facilmente enganados já seria um progresso.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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