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    Clóvis Rossi

    O triunfo da insensatez

    08/10/2017 02h00

    O velho sábio que habitava esta Folha costumava repetir que vivera o suficiente para ver tudo acontecer e o seu contrário também.

    Não vivi ainda tanto quanto ele nem espero viver, mas está em curso o triunfo espetacular da insensatez, que jamais imaginava ver (tomara que ainda consiga ver também o seu contrário, do que começo a duvidar).

    Refiro-me em especial ao caso da Catalunha, mais especificamente à insistência de uma parte considerável de seus líderes políticos em declarar a independência.

    Respeito muitos os que se manifestam pela independência pelo sentimento de que, sendo catalães, não cabem na Espanha. Discordo, mas amores não se discutem, se sentem.

    Pena que o amor nem sempre é lindo e que valha, neste caso como em tantos outros, uma das frases do grande frasista que foi o general Juan Domingo Perón: "La realidad es la única verdad".

    A realidade é simples: não passa de tremenda insensatez a Catalunha separar-se da Espanha. A ponta do iceberg com o qual se chocará a região apareceu na quinta (5), quando o Banco Sabadell, depois de mais de cem anos na Catalunha, anunciou mudança para Alicante.

    O CaixaBank, o terceiro maior da Espanha, prepara-se para mudar para Valencia. São perdas evidentes para a Catalunha. E não são as únicas: as lideranças catalãs em momento algum discutiram a sério nem fizeram a população saber o custo que terá a obrigatoriedade de criar uma nova moeda, já que a saída da Espanha significará perder o direito de usar o euro.

    Como diz o jornal francês "Le Monde", nenhum país europeu está disposto a reconhecer o resultado do plebiscito de domingo (1º).

    Reforça o britânico "Financial Times": "Considerada a escassa participação e a indiscutível ilegalidade, não há justificativa alguma para a declaração de independência".

    Se os problemas econômicos a enfrentar fossem um preço aceitável para compensar libertar-se da opressão da Espanha, ainda vá lá. Liberdade é um valor inestimável.

    O problema é que não existe opressão. Basta ler artigo no "Guardian" de Victor Lapuente Giné, professor de Ciência Política da Universidade de Gotemburgo (Suécia): "Desde a concepção, a Espanha foi um empreendimento político pluralista. (...) Não é coincidência que o primeiro exemplo de parlamentarismo moderno na Europa Ocidental sejam as Cortes de León de 1188. As cidades e regiões gozaram de capacidades de autogoverno desconhecidas em outros países".

    O fato de a ditadura de Francisco Franco (1936-1975) ter de sufocado a Catalunha não justifica se separar agora. Afinal, Franco já morreu faz tempo e as comunidades espanholas gozam de amplas capacidades de autogoverno.

    O triunfo da insensatez não se limita às lideranças catalãs. Na Venezuela, um sujeito que recebe orientações do antecessor, disfarçado de "pajarito", também triunfa e conduz seu país a um desastre sem paralelo -com apoio, aliás, de significativa parcela da esquerda brasileira, também imbecilizada.

    A lista de insensatos é bem maior e passa pelo Brasil, mas o espaço acabou.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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