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    Clóvis Rossi

    Com eleições regionais, ditadura da Venezuela tenta ser "ditabranda"

    12/10/2017 02h00

    A economia da Venezuela teve uma contração de 16,5% no ano passado. Neste ano, nova queda, prevê o Fundo Monetário Internacional: 12%. Nem países em guerra sofrem tamanho retrocesso.

    A única coisa que sobe no país é o flagelo da inflação : sempre segundo o FMI, será de 652,7% neste ano e, em 2018, inimagináveis 2.349,3%.

    Ricardo Moraes - 2.out.2017/Reuters
    Cartaz de Argenis Chávez, irmão do ex-presidente Hugo Chávez, que tenta se reeleger em Barinas
    Cartaz de Argenis Chávez, irmão do ex-presidente Hugo Chávez, que tenta se reeleger em Barinas

    Com esses números, não há a menor chance de que o governo (qualquer governo, em qualquer país) ganhe uma eleição. Na Venezuela, não poderia ser diferente: a mais recente pesquisa, feita pelo Venebarómetro, aponta 51,7% de preferência pelos candidatos da oposição aos 23 governos estaduais em jogo no pleito de domingo, 15.

    Do outro lado, o situacionismo fica com pouco mais da metade das intenções de voto dos adversários (27,6%), e há ainda 20,7% que não sabem ou não respondem em quem vão votar.

    Os 27,6% do chavismo são até muito, se se considera que 90,2% dos venezuelanos consideram a situação do país "má" ou "muito má", o que, em tese, deixaria só 10% como território para o governo caçar votos.

    Tudo somado, fica difícil entender como o governo —ainda mais sendo uma ditadura— decidiu convocar uma eleição. Afinal, ela deveria ter se realizado em dezembro, mas o governo, sabendo que perderia, adiou-a para este ano.

    Como a mais elementar lógica indica que perderá, fica a pergunta: por que convocá-la? A resposta mais automática e óbvia é simples: haverá fraude e, portanto, não há risco de uma derrota, pelo menos não de uma derrota contundente.

    O eleitorado consultado pelo Venebarómetro dá exatamente essa resposta: 70,3% acham que as eleições serão fraudulentas, e só 25,9% creem na limpeza da votação.

    Mas talvez haja uma explicação algo mais sofisticada, dada por David Smilde, blogueiro do Washington Office on Latin America e um dos analistas mais interessantes da situação venezuelana: Nicolás Maduro e sua turma estariam tentando polir o rótulo de ditadura para transformá-lo em algo como "ditabranda".

    Escreve Smilde: "Se eles realizarem uma eleição semilegítima que leve figuras da oposição a ocupar postos em governos [estaduais], inevitavelmente reduzirão a ressonância do termo 'ditadura' quando aplicado à Venezuela".

    O simples anúncio da votação, aliás, já teve um efeito nesse sentido: a pressão sobre o governo saiu das ruas, nas quais a presença maciça de manifestantes e a violenta repressão forneciam imagens devastadoras para o prestígio do governo.

    Agora, se passar para "ditabranda", diminui em tese a pressão internacional e, principalmente, a ameaça de novas sanções dos EUA, ainda mais que as já impostas complicam um quadro econômico catastrófico.

    A oposição, por sua vez, tenta fazer de uma eleição regional um plebiscito sobre o regime. Para que seja de fato um repúdio maciço ao governo, terá que ficar com a grande maioria dos governos (hoje, controla três). Nem "ditabrandas" costumam dar esse gostinho às oposições.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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