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    Clóvis Rossi

    Há, sim, uma conspiração: é de Temer e Aécio contra o decoro

    18/10/2017 10h56

    O presidente Michel Temer tem razão: há, de fato, uma conspiração em curso no país. Mas não é contra ele. É dele, é de Aécio Neves e dos congressistas que os acobertam, no Senado e na Câmara, a maioria, aliás, desgraçadamente.

    É contra a democracia.

    Nos casos Aécio e Temer, o que existe são cenas explícitas de falta de decoro, exibidas impudicamente no horário nobre da televisão.

    Toda a discussão jurídica, todas as cartas, todos os discursos a respeito são mera cortina de fumaça para tentar nublar os fatos.

    Vamos aos fatos, só aos fatos comprovados:

    1 - Aécio Neves pediu dinheiro, muito dinheiro, a um empresário que faz negócios com o poder público. Aécio é um baluarte do governo de turno.

    Só o pedido já caracterizaria falta de decoro. Mas não foi tudo: o dinheiro foi entregue (ao emissário escalado pelo senador) e a entrega foi filmada.

    Se isso não é falta de decoro, o decoro foi abolido da vida pública.

    Na verdade, três camadas de decoro foram violadas. A primeira, pelo próprio Aécio. Flagrado, tinha a obrigação elementar de renunciar. Como não o fez, rompeu-se também a segunda camada: seu partido, o PSDB, tinha a obrigação de expulsá-lo. Tampouco o fez, com o que se tornou cúmplice.

    Por fim, 44 senadores violaram igualmente o decoro ao devolver o mandato a quem demonstrou não ter ética para exercê-lo.

    2 - O caso Michel Temer é parecido. Não nega que recebeu o mesmo empresário —depois rotulado de "bandido notório"— em encontro clandestino na calada da noite, como diria a crônica policial de antigamente, aliás mais adequada para os tempos que correm do que a crônica política.

    Se o teor da conversa, nunca negado, já não bastasse para caracterizar falta de decoro, houve igualmente uma mala de dinheiro entregue ao assessor a quem Temer designara como intermediário para contatos com o empresário.

    Faço minhas as palavras desse excelente analista que é Helio Schwartsman na sua coluna desta quarta-feira (18) para a Folha: "Num país mais 'normal', o presidente que se vê envolvido num escândalo como o que enredou Michel Temer renuncia, seja ele culpado ou inocente".

    Como se apega ao cargo, o mínimo que se esperaria dos deputados é que autorizassem a investigação do escândalo pelo Supremo Tribunal Federal.

    Não vão fazê-lo, não porque a denúncia seja frágil, mas porque querem manter no cargo um presidente que lhes atende em suas reivindicações mais rasteiras.

    O único consolo em meio à essa conspiração contra o decoro é o fato de que o país chegou ao fundo do poço. É difícil imaginar que se possa descer ainda mais no esgoto da política.

    Não pode cair mais baixo um governo que regressa ao século 19, ao revogar a Lei Áurea, por meio das novas regras sobre trabalho escravo, que dificultam investigá-lo e puni-lo.

    Minha única dúvida é se o Brasil continuará chafurdando no fundo do poço por muito tempo ou se, como não pode afundar mais, começará lenta e penosamente a emergir.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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