• Colunistas

    Saturday, 04-May-2024 18:04:48 -03
    Clóvis Rossi

    Xi Jinping oferece 'sonho' chinês, sem resolver contradição no Estado

    19/10/2017 02h00

    O discurso com que Xi Jinping abriu o 19º Congresso do Partido Comunista Chinês nesta quarta (18) representa de certa maneira a oferta ao mundo do que Fraser Howie, especialista em China, batizou em livro de "Capitalismo Vermelho".

    Depois que o capitalismo derrotou o comunismo, sobraram, a rigor, dois modelos na vitrina planetária: a democracia capitalista liberal do Ocidente e a ditadura mais ou menos capitalista da China.

    No seu discurso, o líder chinês prefere anunciar a China dos próximos 30 anos como "um grande país socialista moderno", o que seria, segundo ele, "o sonho chinês". Contraponto inevitável ao "sonho americano", que Donald Trump está transformando em pesadelo.

    Na retórica, o sonho é fascinante: até 2050, a China se transformará em "um líder global de abrangente força nacional e de influência internacional", seguindo as regras da lei, abrigando companhias inovadoras, limpando o ambiente, expandindo a classe média, oferecendo transporte público adequado e reduzindo a desigualdade entre as áreas urbanas e rural.

    Eu compraria alegremente o pacote, se ele não contivesse também a ditadura de partido único —aliás, reforçada no discurso.

    Ditaduras são sempre abomináveis, qualquer que seja a sua coloração.

    A questão seguinte é saber se o "capitalismo vermelho" é sustentável e se caminhará doravante para ser mais capitalismo ou para ser mais vermelho.

    A fala de Xi Jinping não permite adivinhar. Não desfaz a "importante contradição" que já apareceu em documento oficial de 2013, como analisa Yukon Huang, pesquisador sênior do Programa para a Ásia do Carnegie Center:

    "O documento afirma que o mercado deve desempenhar um papel 'decisivo' na alocação de recursos, mas também reafirma que o Estado deve continuar a desempenhar um 'papel de liderança' na direção da economia".

    AFP
    Universitários chineses de Huaibei, no leste do país, flameiam bandeiras durante discurso de Xi Jinping
    Universitários chineses de Huaibei, no leste do país, flameiam bandeiras durante discurso de Xi Jinping

    Essa contradição se torna ainda mais importante e de maior repercussão global quando a China de Xi Jinping se apresenta, como o fez no Fórum Econômico Mundial em Davos em janeiro, como campeã da globalização, do livre comércio e também do acordo de Paris sobre mudança climática.

    Registrei à época: "Não deixa de ser uma evidência dos tempos convulsos que o mundo atravessa o fato de que um líder dos Estados Unidos [Donald Trump], país que pode ser considerado o pai da globalização e do livre comércio, seja contestado pelo dirigente de uma China que, faz apenas 38 anos, era um país fechado".

    Até aqui, a globalização foi sinônimo de mais mercado e menos Estado.

    A China está nadando de braçada nela, mesmo com sua mescla de "papel decisivo do mercado" com "economia guiada pelo Estado". Estende seus tentáculos mais e mais: o programa batizado de Nova Rota da Seda (ou "Belt and Road Initiative") vai investir bilhões de dólares no exterior em ferrovias, portos, energia elétrica e outras infraestruturas.

    Não deixa de ser a concretude do que Xi Jinping batizou nesta quarta-feira de "sonho chinês", justo na hora em que os EUA caem na retranca e truncam o "sonho americano". Qual deles será predominante em 2050?

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024