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    Clóvis Rossi

    Capitalismo mafioso faz do Brasil uma triste república bananeira

    10/11/2017 12h32

    Nem em seus 100 anos de vida, se considerado o momento de sua vitória na Rússia, o comunismo conseguiu corroer o capitalismo na América Latina como o fez uma única empresa brasileira nos últimos anos. Sim, estou falando da Odebrecht, ré confessa do que chamou em nota oficial de "práticas impróprias", um eufemismo para atividades criminosas, mafiosas mesmo.

    O jornal espanhol "El País" publicou nesta quinta-feira (9) duas páginas relatando, com uma pilha de documentos, como a empresa operou para pagar US$ 200 milhões (R$ 650 milhões) em subornos a 145 políticos e funcionários da América Latina, conforme informe da polícia do Principado de Andorra.

    Por que Andorra? Porque o esquema era suficientemente sofisticado para abrir contas para os subornados no BPA (Banca Privada d'Andorra), no tempo em que esse pequeno país era um paraíso fiscal (condição que renegou apenas no ano passado).

    O jornal espanhol teve acesso à documentação confidencial que políticos, ministros, funcionários, advogados e testas-de-ferro de Equador, Peru, Panamá, Chile, Uruguai, Colômbia, Brasil e Argentina apresentaram ao BPA para abrir suas contas secretas.

    A Odebrecht transferia, então, a essas contas subornos millonários que maquiou como serviços que de fato nunca prestou. Se esse não é um esquema mafioso, qual seria?

    As investigações, no Brasil, nos Estados Unidos e em Andorra, entre outros países, afetam administrações de direita (Michel Temer, no Brasil, Juan Manuel Santos e Álvaro Uribe, na Colômbia), por exemplo, ou de esquerda, como Luiz Inácio Lula da Silva, Néstor Kirchner na Argentina, Rafael Correa no Equador, e populistas difíceis de enquadrar em direita ou esquerda, como o peruano Ollanta Humala (que está preso).

    Posto de outra forma: vote você na direita, na esquerda ou no centro, de pouco adianta. Haverá uma grande chance de que políticas públicas sejam definidas não pelo eleito mas por quem o compra.

    É pior, pois, que o chamado "capitalismo de compadrio". É capitalismo mafioso.

    As obras públicas, indispensáveis para o funcionamento de países em que a infraestrutura ainda é precária, só andam com a graxa suja dos subornos.

    Por extensão, choca verificar a grita que há em alguns setores da mídia, do empresariado, do Judiciário e da advocacia contra a Lava Jato.

    Criticar eventuais excessos da Lava Jato é natural e saudável. Mas é desonesto mudar o foco: alguns pronunciamentos passam a impressão de quem roubou, quem corrompeu, foram Rodrigo Janot, Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato. Com todos os defeitos que possa ter, o fato é que essa operação lancetou a ferida.

    Entende-se que os políticos queiram, sempre, "estancar a sangria", na famosa frase que Romero Jucá soltou na gravação com Sérgio Machado. A tal "sangria" pôs à luz do dia, só no caso relatado por "El País", US$ 200 milhões (R$ 650 milhões).

    (Fique claro que esse valor e o número de envolvidos referem-se a apenas uma gaveta da corrupção, a que era operada via o banco andorrano).

    Alguns políticos já receberam, como se comprova pelas malas cheias de dinheiro que circularam para baixo e para cima. Os que não receberam esperam receber algum dia. E, claro, há meia dúzia de honestos que não entram no jogo.

    Entende-se, perfeitamente, que apenas 7% dos brasileiros digam ter confiança nos políticos, o último lugar entre os 18 países pesquisados pelo "Latinobarómetro" no mês passado.

    Mas os políticos são apenas uma ponta do propinoduto: na outra ponta, sem a qual ele não existiria, estão empresários de grosso calibre, como Marcelo Odebrecht, chefão de uma empresa com 168 mil empregados e tentáculos em 28 países. Sem mencionar outras empreiteiras igualmente apanhadas na rede da Lava Jato e empresas como a JBS - de comportamento igualmente mafioso. Todas criminosas confessas.

    Enquanto o capitalismo brasileiro for representado por esse tipo de gente, o Brasil será uma república bananeira.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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