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    Clóvis Rossi

    O pau que bateu em Videla não bate em Maduro, o que é crime

    29/11/2017 11h08

    A manchete do caderno "Mundo" desta Folha, na quarta-feira (29), conta em apenas sete palavras a história do governo venezuelano: "Chavismo estupra, espanca e mata, diz ONG" (a ONG no caso é a preciosa Human Rights Watch).

    O relatório da HRW é contundente: "Membros das forças de segurança espancaram severamente pessoas detidas e as torturaram com choques elétricos, asfixia, agressão sexual e outras técnicas brutais. As forças de segurança também fizeram uso desproporcional da força contra pessoas nas ruas, além de terem arbitrariamente detido e processado opositores do governo".

    Não é novidade, aliás: a ex-procuradora-geral da Venezuela, Luisa Ortega Díaz, relatou faz pouco ao Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, que 8.000 pessoas foram assassinadas na Venezuela por ordens oficiais, entre 2015 e 2017.

    Foram mais de mil peças de evidências, levadas a uma corte internacional, "porque não há justiça na Venezuela. Lá, não é possível levar à Justiça os responsáveis por esses crimes", afirmou Ortega Díaz.

    A ex-procuradora não é uma oposicionista de carteirinha. Ao contrário, foi nomeada para o cargo pelo próprio Hugo Chávez e contribuiu para processos contra líderes opositores. Conhece por dentro, portanto, a máquina assassina instalada pelo regime de Nicolás Maduro.

    Ambas as denúncias reproduzem, palavras mais, palavras mais, as acusações —igualmente fundamentadas— que se fizeram contra a ditadura argentina (e outras do Cone Sul, nos anos 80).

    A diferença é que nestes casos, houve uma onda internacional de denúncias, enquanto, em relação à Venezuela, não há um ruído nem ao menos parecido.

    José Miguel Vivanco, diretor da divisão das Américas da HRW, acrescenta um dado que de novo aproxima as situações da Venezuela de hoje e da ditadura argentina de ontem: "Não se trata de abusos isolados ou excessos ocasionais por agentes de segurança pública inescrupulosos, mas de uma prática sistemática das forças de segurança", o que, como é óbvio, "sugere a responsabilidade dos mais altos níveis de governo".

    Na Argentina, também era assim, tanto que um punhado de militares, encerrada a ditadura, acabaram na cadeia, inclusive o general Jorge Rafael Videla, o mais longevo dos generais-ditadores do período 1976-1983.

    O relativo silêncio sobre a violência na Venezuela de Nicolás Maduro torna-se ainda mais criminoso quando se conhecem dados sobre a tragédia econômica e social provocada pelo chamado "socialismo do século 21".

    Cito apenas meia dúzia de cifras, a maioria relativas à infância:

    1 - A produção de alimento cobre apenas 30% das necessidades, o que obviamente, leva a um consumo insuficiente nas classes desfavorecidas (hoje, a maioria).

    2 - Como se fosse pouco, a inflação dos alimentos alcança obscenos 900%.

    3 - Devido à desnutrição, 4 em cada 10 dez crianças não crescem corretamente.

    4 - A desnutrição grave atinge 15 em cada 100 crianças em situação de pobreza —cinco delas morrem semanalmente.

    5 - Segundo a Cáritas, 280 mil crianças podem morrer por desnutrição.

    Ou, posto de outra forma, morre-se na Venezuela de Nicolás Maduro ou pela violência da repressão ou pela fome.

    No começo da revolta, então desarmada, dos sírios contra a ditadura de Bashar al-Assad circulou um cartaz com a bandeira da Síria e os dizeres "O silêncio é um crime de guerra".

    O que veio depois do silêncio foram os canhões e a destruição da Síria. Está se cometendo o mesmo crime de silêncio no caso da Venezuela —e o efeito está sendo igual: a destruição do país.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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