• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 12:49:19 -03
    Clóvis Rossi

    Coragem de romper silêncio sobre assédio derrota Trump e seu aliado

    14/12/2017 02h11

    Jim Watson - 12.dez.2017/AFP
    Eleitor do Alabama coloca adesivo de que votou em boné com slogan da campanha de Donald Trump
    Eleitor do Alabama coloca adesivo de que votou em boné com slogan da campanha de Donald Trump

    É compreensível mas errado pôr sobre a derrota de Donald Trump todo o foco no caso da eleição no Alabama. Ele perdeu, sim, ao apoiar sem reservas o candidato republicano Roy Moore, mas o fato mais importante é que as mulheres ganharam, mais do que Trump perdeu.

    Não fosse a coragem de um punhado delas de vir a público para denunciar o candidato republicano ao Senado, Moore quase certamente teria sido eleito.

    Afinal, o Alabama é um Estado profundamente "vermelho" (não se assustem, anticomunistas e antipetistas brasileiros, "vermelho" nos Estados Unidos é a cor do Partido Republicano).

    O próprio Trump venceu lá, em 2016, com 62% dos votos. Para o Senado, os democratas não ganhavam já fazia exatamente um quarto de século, desde 1992 portanto.

    Moore liderava todas as pesquisas com folga, até que foi acusado por inúmeras mulheres de ter cometido avanços indesejados ou ataques sexuais, quando elas eram adolescentes (a mais jovem denunciante tinha 14 anos à época). Moore era trintão.

    Ele nega que tenha cometido atos impróprios, mas admite ter mantido encontros com meninas acima de 16 anos, idade legal para consentimento sexual no Estado.

    Foram as denúncias, não a campanha do democrata Doug Jones, afinal eleito, que fizeram virar o resultado.

    É um exemplo valioso de como a mobilização da sociedade —ou, pelo menos, de uma parte dela— consegue obter resultados que a ação política convencional não chega nem perto de alcançar.

    Atenção: vale para o Brasil, também, mas por enquanto fiquemos no Alabama.

    Se Roy Moore tivesse vencido, seria o equivalente a cravar uma estaca de madeira no coração dos valores civilizados. Afinal, o republicano derrotado considera a homossexualidade "diabólica" e até discute a hipótese de que seja punida com a morte.

    Mais: chegou a dizer que um membro do Congresso deveria ser barrado porque é muçulmano.

    Que Trump o tenha apoiado é compreensível: o presidente também é misógino e xenófobo, com especial ojeriza aos muçulmanos.

    O resultado do Alabama, portanto, transcende as fronteiras do Estado e reforça a sensação generalizada de que Trump como presidente é um ponto fora da curva.

    É preciso ver, no entanto, se os republicanos que desconfiam do presidente processam a informação de que ficar com ele não é exatamente uma catapulta eleitoral.

    Um teste mais ou menos imediato se dará na votação da reforma tributária que se tornou a mãe de todas as batalhas legislativas para o presidente. Como a maioria republicana no Senado caiu para apenas dois votos (51 a 49), pode ser que senadores republicanos se decidam a rejeitar um pacote claramente desequilibrado a favor dos mais ricos.

    Nessa hipótese, Trump terminará o ano sem um troféu realmente significativo, a menos que se considere como tal a retirada dos EUA de acordos internacionais relevantes (o de Paris sobre o clima, a Parceria Transpacífico, o acordo sobre migrações, a desqualificação da Organização Mundial do Comércio).

    Dito de outra forma, Trump, em vez de pôr a América "first", está pondo a América "out".

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024