Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Descrição de chapéu Xi Jinping Donald Trump

Enquanto Trump se isola, China estende tapete vermelho a latinos

Crédito: Xu Rui - 23.jan.2018/Xinhua O chanceler chinês, Wang Yi, cumprimenta a presidente do Chile, Michelle Bachelet, em visita a Santiago
O chanceler chinês, Wang Yi, cumprimenta a presidente do Chile, Michelle Bachelet, em visita a Santiago

A China está estendendo o seu mais lustroso tapete vermelho para o Brasil e o conjunto da América Latina: durante reunião na terça-feira (23) com os 33 integrantes da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe), o chanceler chinês, Wang Yi, propôs estender a todo o grupo a chamada Obor (One Belt, One Road Initiative), que visa aprofundar a cooperação econômica e financeira entre países em desenvolvimento.

Definir assim burocraticamente a iniciativa chinesa é ficar muito, mas muito longe, do seu verdadeiro significado: trata-se de um projeto ciclópico, "um Plano Marshall em tempos de paz", como o define a diplomacia brasileira.

O Plano Marshall foi lançado pelos EUA ao término da Segunda Guerra Mundial (1939-45) e permitiu que a Europa se erguesse dos escombros do conflito —e de quebra evitou que o comunismo avançasse também sobre a Europa Ocidental.

A iniciativa chinesa foi anunciada em 2013, pelo presidente Xi Jinping, visando a criação de uma rede de rodovias, ferrovias, oleodutos e serviços públicos (de eletricidade, por exemplo), que ligariam um punhado de países, mundo afora. Inclui ainda ligações marítimas.

O "New York Times" chegou a calcular em US$ 1 trilhão o total de recursos de que os chineses disporiam para financiar a Obor (cerca de 55% do tamanho da economia brasileira). Mas ela é mais do que um projeto de desenvolvimento.

"Seu objetivo é criar a maior plataforma mundial para cooperação econômica, incluindo coordenação política, comércio e cooperação financeira, social e cultural", escreveu Tian Jinchen, da Comissão chinesa de Desenvolvimento e Reforma, para uma publicação da consultoria McKinsey.

No caso específico da América Latina, a proposta agora apresentada é uma suculenta complementação da já relativamente antiga ofensiva chinesa sobre a região.

O Brasil é o maior beneficiário dessa ofensiva: capturou, por exemplo, 55% do investimento direto chinês na América Latina (ou US$ 65,5 bilhões) entre 2005 e 2016, conforme dados que a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) levantou para a reunião da Celac com os chineses.

O Brasil é um dos raros países da região que têm superavit no comércio com a China (US$ 117 bilhões).

É natural, portanto, que seja um dos maiores beneficiários da participação na Obor. Mas a diplomacia brasileira acredita que, nesse caso específico, o benefício será apenas lateral, porque os canais de comunicação do país com a China já são amplos e diversificados.

Posto de outra forma: com ou sem a Obor, o Brasil já é relevante para os chineses. O grande proveito seria, portanto, para os países menores da região, o que dá uma inevitável tinta política à proposta apresentada à Celac. Não por acaso, ela foi levada a um conjunto de países que exclui EUA e Canadá.

O chinês tomou todos os cuidados para apresentar a proposta a seus pares da América Latina de forma que nem remotamente parecesse uma iniciativa com viés imperialista.

A nota sobre a reunião diz que a proposta tem como eixo "a cooperação na base de consultas em condições igualitárias e inclusivas". A China, prossegue, não vai impor nada, mas trabalhar para "executar em conjunto os projetos e compartilhar os benefícios entre os países envolvidos".

Não deve ser mero acaso o fato de os chineses apresentarem à América Latina sua iniciativa-estrela no momento em que os EUA se recolhem. Na região, a única iniciativa da América de Trump não foi ofensiva (o muro na fronteira com o México). O contraste é eloquente.

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