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    Daniel Pellizzari

    Currículo mínimo

    17/02/2014 03h30

    Comecei a jogar em 1980, aos seis anos. Morava em Manaus, que no auge da Zona Franca era o mais próximo do paraíso nerd a que uma criança brasileira poderia chegar. Ainda mais na era da reserva de mercado, que vetava a importação de equipamentos de informática.

    Perto do Teatro Amazonas havia um fliperama com máquinas originais, e foi lá que meus problemas começaram. Mesmo tendo de usar um banquinho para enxergar, me viciei em "Asteroid", "Defender" e na máquina amarela de "Pac-Man".

    Um vizinho tinha um Telejogo II da Philco, e no ano seguinte apareceria com um Atari 2600. Como ainda não havia quem fizesse a conversão, a imagem em NTSC ficava em preto e branco na tevê PAL-M.

    Alpino

    Em 1981 ganhei de presente "Chef", um dos portáteis Game & Watch da Nintendo, e o estrago se instaurou de vez.

    Logo vieram meu próprio Atari, Intellivision e Odyssey na casa de amigos, outro Game & Watch e novas máquinas todos os meses no fliperama: "Donkey Kong", "Mr. Do!", o inacreditável "Punch-Out!" com duas telas.

    Foram os primeiros passos de um relacionamento que acompanharia todas as gerações de consoles e dos jogos de computador, do primeiro "boom" oitentista até os dias atuais. Mesmo que não tenham crescido em Manaus, meus companheiros de geração e eu temos a sorte de ter vivido com os games desde o início.

    Começamos com os gráficos mais simples, as mecânicas mais básicas, o som mais rudimentar. Acompanhamos o surgimento de todos os gêneros. É uma perspectiva única, que encaixa sem esforço um lançamento numa linha histórica e permite a apreciação de cada jogo por aquilo que é.

    Ao mesmo tempo, um repertório extenso tende a estimular uma visão mais crítica e uma relação menos superficial com os jogos, duas condições essenciais para o amadurecimento de uma mídia e de seus consumidores.

    Quando me tornei pai, surgiu a preocupação de como apresentar aos meus filhos algo que considero tão rico e importante.

    Deixar que o processo acontecesse a esmo me parecia irresponsável. Como ir direto a "Super Mario Galaxy" sem nunca ter jogado "Super Mario Bros."?

    Sem contar que a ideia de me ver de repente em casa com criaturas que dispensam jogos clássicos por terem gráficos supostamente "ruins" me dava calafrios.

    Com isso em mente, resolvi apresentar aos dois a história dos games de uma forma mais estruturada. Usando emuladores para emular a experiência original de viver o amadurecimento dos games, intercalando com jogos contemporâneos – negar "Lego Star Wars" a uma criança já seria quase abuso.

    Quando meu filho de seis anos prefere jogar "Super Castlevania IV" do SNES a dar atenção a "Flappy Bird", ou quando joga "Journey" (PS3) do início ao fim de uma só vez e depois comenta que o jogo é "misterioso e fascinante" e fala sobre as "amizades" que fez, é difícil não sentir que, sim, de fato estou fazendo a coisa certa.

    E como bônus ainda há a experiência de apenas assistir, acompanhar os jogos pelos olhos deles. Como se algo tão familiar fosse inteiramente novo, de novo. Recomendo.

    Daniel Pellizzari

    Escreveu até outubro de 2014

    Escritor e tradutor literário.

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