O nome é PL 2.960, mas sugiro batizá-lo como estatuto de fundação da Lavabrás. Nasceu no governo, a pretexto de contribuir com o ajuste fiscal, foi aprovado na Câmara por 230 a 213, com os votos cruciais do PT e do PMDB, mas contra todos os partidos oposicionistas. Depois, percorreu o Senado em regime de urgência e pousou na mesa de Renan Calheiros, que pode expô-lo a deliberação final a qualquer momento. Não ganhou as manchetes principais dos jornais, embora provoque frêmitos quase sexuais no mercado financeiro. O Brasil de Dilma, Levy, Lula, Temer, Cunha e Calheiros alcançou consenso em alguma coisa: a legalização da lavagem de dinheiro oriundo do crime.
A Lavabrás opera no registro da duplicidade. Seu estatuto diz uma coisa em letras grandes e o oposto dela em letras pequenas. Letras grandes: o artigo 1º anuncia um "regime especial" de regularização de recursos e bens de origem lícita não declarados ao fisco, mantidos no exterior ou repatriados. Letras pequenas: o artigo 5º inclui no "regime" os frutos de uma longa série de crimes, oferecendo anistia geral, irrestrita, a sonegadores do fisco, violadores de regras tributárias, autores de golpes contra a Previdência, falsificadores de documentos públicos e privados, contrabandistas e, claro!, quadrilhas dedicadas à evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Elaborada por gente que entende do riscado, a lei anistia a prática de associação criminosa, o uso de "laranjas" e os próprios "laranjas". Corra, Lola, corra: só ficam excluídos os condenados com sentença transitada em julgado.
A Lavabrás suprime o princípio da igualdade perante a lei, premiando seus sócios potenciais, os criminosos de colarinho branco, que obtêm excepcionais vantagens tributárias. Letras grandes: os recursos declarados no "regime especial" incorrem em imposto de 15% mais multa de 100% sobre o imposto, totalizando 30%, similar à taxação de contribuintes honestos e pontuais (27,5%, pessoa física, ou 34%, pessoa jurídica) e muito menos que a taxação de sonegadores comuns, sujeitos a multa de 150% mais juros Selic sobre o imposto devido. Letras pequenas: fixa-se o câmbio de conversão dos recursos pela cotação do dólar do último dia de 2014, o que representa um "desconto" da ordem de 40% na taxação dos patrimônios de origem criminosa. No Brasil, o crime compensa.
A Lavabrás é um antídoto contra a Lava Jato. Enquanto a força tarefa de Curitiba desvenda a ramificada teia da corrupção público-privada, seguindo as pegadas da evasão de divisas e da lavagem de dinheiro, o estatuto da Lavabrás extingue a punibilidade dos crimes investigados e –cúmulo da perfeição!– cobre-os com o manto sagrado do sigilo fiscal. Tudo está lá, em letras pequenas, nas catacumbas do parágrafo 12 do artigo 4º, do parágrafo 1 do artigo 5º e do parágrafo 1 do artigo 7º. São as perucas, os bigodes e as cirurgias plásticas destinadas a reinserir os bandidos da corte no nosso belo quadro social.
A Lavabrás obedece ao cronograma da emergência. No contexto da globalização, da corrupção internacional, do terrorismo e do tráfico de armas e drogas, os EUA introduziram na arena diplomática os acordos Fatca (Foreign Account Compliance Act), destinados ao intercâmbio de informações tributárias. Como outras nações do G20, o Brasil assinou o acordo bilateral com os EUA, além de outro similar, com a Suíça. Eles entram em vigor no início de 2017, quando extensas listas de criminosos de colarinho branco, fornecidas pelos governos americano e suíço, chegarão às mãos da Receita brasileira. É por isso que o estatuto da Lavabrás concede 210 dias para adesão ao "regime especial". O Brasil lavará dinheiro em 2016, aproveitando a janela de oportunidade que se fecha por iniciativa do "imperialismo".
Impeachment? Eles brigam por coisas menores, mas sabem onde o calo aperta.
Doutor em geografia humana, é especialista em política internacional. Escreveu, entre outros, 'Gota de Sangue - História do Pensamento Racial' e 'O Leviatã Desafiado'. Escreve aos sábados.