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    Demétrio Magnoli

    O nacionalismo econômico de Trump é sintoma da crise da globalização

    02/12/2017 02h00

    Jonathan Ernst/Reuters
    O presidente dos EUA, Donald Trump, acena ao embarcar no Air Force One em Manila, nas Filipinas, após sua visita oficial ao país
    O presidente dos EUA, Donald Trump, acena ao embarcar no Air Force One em Manila, nas Filipinas

    "A história de Trump parece menos uma crônica de revolta da classe trabalhadora do que uma crônica de reação branca". A sentença, de Adam Serwer, sintetiza a tese do artigo The Nationalist's Delusion, publicado na revista The Atlantic.

    No interminável debate sobre as raízes da vitória de Trump em 2016, Serwer inscreve-se numa corrente dedicada a criticar a teoria prevalente de que Hillary Clinton foi vítima das frustrações econômicas dos "órfãos da globalização". Não, dizem os "revisionistas", o trumpismo representa a volta triunfal do supremacismo branco.

    À primeira vista, os retuítes de Trump de vídeos islamofóbicos produzidos por um grupo filonazista britânico conferem-lhes razão. De fato, contudo, os "revisionistas" cometem um erro sociológico com trágicas implicações políticas.

    As mensagens eleitorais trumpianas associaram o nacionalismo econômico com um nativismo identitário de fortes conotações raciais. Anos antes de anunciar sua candidatura, Trump notabilizara-se como campeão do "nascimentismo" –ou seja, da lenda de que Obama nasceu fora dos EUA.

    No lançamento da campanha, os imigrantes mexicanos foram rotulados como "estupradores". A direita racista americana adotou o candidato republicano com um ardor desconhecido desde a campanha do segregacionista George Wallace, em 1968. Mesmo assim, o supremacismo branco desempenhou papel marginal na derrota de Hillary.

    Trump certamente venceu em todos os estratos do eleitorado branco, como enfatiza Serwer. Mas os candidatos republicanos têm a preferência majoritária dos brancos desde a década de 1980 –e, na verdade, Trump conquistou parcela menor dos brancos que Mitt Romney, o desafiante de Obama em 2012.

    Na comparação com Romney, Trump obteve parcela semelhante de votos dos hispânicos e dos negros –porém, crucialmente, contou com muito mais eleitores sem diploma universitário. As correlações estatísticas extinguem as incertezas: o triunfo derivou da onda avassaladora de votos da baixa classe média do Meio Oeste. A renda (ou melhor, a erosão da renda), não a cor da pele, decidiu a disputa pela Casa Branca.

    A tese "revisionista" oculta a natureza internacional do fenômeno. No plebiscito do Brexit, os votos dos trabalhadores de Midlands inclinaram a balança pela saída da União Europeia. Na França, a direita nacionalista de Le Pen ergueu-se sobre os cinturões industriais em declínio do norte e do leste. Na Alemanha, o partido da direita populista cavalgou o eleitorado da baixa classe média da antiga Alemanha Oriental.

    O nacionalismo econômico de Trump não é um relâmpago no céu azul, mas um sintoma extremo da crise da globalização. Quando apelam à explicação sedutora do supremacismo branco, os "revisionistas" mascaram as complexas raízes sociais do trumpismo. Nesse passo, confundem o debate sobre os meios políticos para enfrentá-lo.

    Os tuítes islamofóbicos de Trump pouco elucidam sobre as causas de sua vitória, mas iluminam os impasses de seu governo. A agenda do nacionalismo econômico trumpiano continua basicamente travada.

    Trump não se atreveu a deflagrar uma guerra comercial com a China e, até agora, reluta em implodir o Nafta. A promessa fraudulenta de restaurar a glória da indústria tradicional americana, junto com os empregos e a renda dos "órfãos da globalização", vai perdendo sua força persuasiva original. Então, Trump recua ao fosso seguro do supremacismo branco, em busca da proteção da direita nativista. Dessa manobra tática, nascem os exaltados comícios sobre o muro, as exortações pelo banimento da imigração e a difamação dos muçulmanos.

    As imagens repulsivas de um presidente americano difundindo fabricações de filonazistas britânicos merecem condenação incondicional. Mas que ninguém se confunda: elas atestam a fraqueza, não a força, do projeto neonacionalista trumpiano.

    demétrio magnoli

    Doutor em geografia humana, é especialista em política internacional. Escreveu, entre outros, 'Gota de Sangue - História do Pensamento Racial' e 'O Leviatã Desafiado'. Escreve aos sábados.

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