• Colunistas

    Monday, 13-May-2024 18:26:36 -03
    Denis Cisma

    A falta e o desejo

    22/02/2015 02h00

    O CONCEITO platônico do amor vem da origem mitológica de Eros, que representa o amor, o desejo. Ele é filho da mendiga Pénia, a penúria, a falta. O desejo, então, se origina da falta.

    O que se ama é justamente aquilo que não se tem. Os pais de Manoel Fernandes, 65, nunca tiveram um carro.

    Em 1949, ano em que ele nasceu, seu pai, carroceiro de carvão, perdeu a perna em um acidente de trabalho. Não podia mais dirigir.

    A falta dos carros em sua casa gerou um enorme desejo e uma profunda fascinação por eles. Tanto que, mais tarde, Fernandes tornou-se colecionador de automóveis antigos.

    Chegou a ter 25 exemplares. Porém, vendeu a maioria nos últimos anos, ficando apenas com três.

    Um deles é um Concorde 1980.

    O próprio Concorde também é fruto de uma falta: entre 1976 e 1990, era proibida a importação de automóveis.

    A inexistência de carros exclusivos gerou o interesse por toda uma indústria de modelos fora de série.

    Além daqueles com design moderno, como o Miura, o Puma e o Gurgel, surgiram também outros que homenageavam o passado, como o MP Lafer, o Envemo Super 90 e o Fera XK, além de réplicas em fibra de vidro, parar suprir o desejo dos antigomobilistas.

    Uma dessas homenagens, porém, destoava de todo o resto. O enorme Concorde não era uma réplica. Inspirado na era vintage (de 1919 a 1930) dos Cords e Duesenbergs, ele tinha design próprio e mecânica de Ford Galaxie.

    Seu criador, o comendador e colecionador João Storani, foi, como Roberto Lee, um dos pioneiros do antigomobilismo no Brasil. Criou o Concorde para ele mesmo, mas acabou sendo convencido por Lee a lançá-lo no Salão do Automóvel de 1976.

    Foram produzidos menos de 20 Concordes. Era um dos mais caros nacionais da época e provocava desejo, mas faltava dinheiro para comprá-lo.

    Um caso clássico de amor platônico.

    retrovisor

    Escreveu até junho de 2016

    por Denis Cisma

    Conhecido como Denis Cisma, é diretor de filmes premiado em Cannes e Clio Awards. É um entusiasta do universo automotivo.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024