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    Denise Fraga

    A tal da compaixão

    18/05/2014 02h00

    Demorei algum tempo para perceber que a Paixão de Cristo não era por Maria Madalena. Na minha cabeça romântica de menina, paixão era uma palavra completamente associada a coração e, quando via a imagem do Nosso Senhor e seu Sagrado Coração em cima da cômoda de minha avó, achava que o tal coração florido só podia ser da tal Madalena, que os adultos falavam que era amiga de Jesus pra não dizer que era namorada.

    Secretamente, eu continuava acreditando que eram um casal. Jesus a tinha defendido das pedradas, igualzinho aos heróis românticos da "Sessão da Tarde" e, nas procissões das Sextas-Feiras da Paixão, quando eu via a imagem do filho de Deus carregando sua pesada cruz, sabia que o fazia por sua amada. Pois se chamavam aquilo de Paixão de Cristo!

    Ilustração Zé Vicente

    Não entendia direito quando falavam que ele morreu por nós. Na verdade, até hoje não entendo muito bem. Mas agora a palavra paixão já se libertou dos corações flechados que eu desenhei nas árvores da minha infância. Minha tia Sofia me ensinou que paixão também era sofrimento. Nem precisava. Pude perceber mais tarde, na prática, quando me surpreendi com os dois significados da palavra juntos e interligados no meu primeiro amor não correspondido.

    No outro dia, me pus a pensar nestes nomes lindos e civilizados que passamos a proferir diariamente como usuários da internet: comunidade, conectar, sincronizar, compartilhar. Quer palavra mais linda que compartilhar? Vasculhando o compartilhar, voltei a outra palavra esquecida nos bancos da minha igreja: compaixão. Foi aí que, a esta altura de minha maturidade, navegando solto o pensamento, pude sem querer entender completamente o caso de amor de Jesus e Madalena.

    Compartilhar não é só dividir, é usar junto. Compaixão não é só piedade, é sofrer junto, é se colocar no sofrer do outro. Eu tinha um pouco de razão. Jesus sentia por Madalena uma espécie de paixão: a dela.
    Tinha a tal da compaixão.

    denise fraga

    Escreveu até dezembro de 2016

    É atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).

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