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    Denise Fraga

    Vida sonora

    21/12/2014 02h00

    Insistimos. Recebemos uns amigos em casa para jantar e, de novo, vieram os telefonemas. No interfone, o porteiro, constrangido, dizia:

    – Estão reclamando.

    – Mas somos só seis!

    – Mas estão reclamando.

    O mundo está profissional. Uma família italiana jantando todos os dias em sua residência já deve ter problemas com o condomínio.

    Da última vez que fizemos um jantar para amigos, o interfone tocou três vezes. E era uma sexta-feira. É verdade que gostamos de uma boa conversa e às vezes os ânimos se exaltam em argumentos e réplicas aumentando os decibéis, mas me impressiona o silêncio reinante na vizinhança.

    Onde estão as festas de aniversário? O "Parabéns pra Você" ouvido a cada fim de semana? A gritaria de crianças brincando?

    Acho que vou ligar para o porteiro do prédio da frente reclamando que ninguém festeja mais.

    Ilustração Zé Vicente

    Me lembro da sensação de deitar para dormir ouvindo o barulho de festa no vizinho. Essa ou aquela música que eu adorava, o falatório, as gargalhadas. Não era uma sensação ruim. Meu sono custava um pouco a chegar, mas havia vida lá fora. Seria melhor o silêncio, mas era sexta ou sábado, dia de festa, uma coisa normal.

    Pode ser que festa não seja mais uma coisa normal. Quando penso em dar uma festa na sala do meu apartamento, já penso no interfone tocando. Fico imaginando a cena. A polícia chegando, eu abrindo a porta e dizendo:

    – Desculpe, seu guarda. Perturbei a ordem pública porque festejei meu aniversário. O senhor saberia me dizer como se faz uma festa em silêncio?

    Me lembrei do Rodolfo. Rodolfo é um professor universitário que entrevistamos uma vez no Equador. Mora de frente para o vulcão Cotopaxi, ainda em atividade.

    O que faz alguém manter sua residência de frente para um vulcão que pode começar os seus trabalhos de fogo a qualquer momento?

    – A sensação de vida. Gosto quando a terra se move. Lembro que ela está... Viva –ele disse.

    Acho que ainda prefiro a vida sem terremotos do meu país. Mas gosto de ouvir um pouco de música no vizinho, crianças brincando e até eventuais brigas de marido e mulher. Também me lembra que estamos vivos. E deliciosamente imperfeitos.

    denise fraga

    Escreveu até dezembro de 2016

    É atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).

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