• Colunistas

    Friday, 03-May-2024 10:09:56 -03
    Denise Fraga

    Além das interseções

    22/02/2015 02h00

    — Vamos fazer as pazes?

    — Fazer o quê?!

    — As pazes!

    — O que são pazes?

    — Pazes? O plural de paz.

    — E paz tem plural?

    Se paz tinha plural ou não tanto fazia, porque os dois tinham acabado de perceber que fazer as pazes significava recuperar a paz de cada um. A discussão migrou para o português e, ainda investigando os plurais de outros "az", as pazes foram devidamente feitas.

    As palavras nos pregam surpresas. Falamos, falamos, falamos e um belo dia elas nos gritam o seu significado. Pra mim, foi "união". Numa acalorada discussão, também querendo chegar às tais das "pazes", o significado da palavra me veio inteiro e amplificado.

    Depois de muito falatório, na tentativa de compor minhas diferenças com as de meu interlocutor, usei a imagem dos conjuntos. Aqueles conjuntos A, B, AB, suas uniões e interseções, que resgatei dos bancos da escola, de minhas primeiras incursões pela matemática, só para propor que tentássemos descobrir naquele momento a nossa interseção.

    Fiz dois círculos juntando meus polegares e indicadores para lembrar-lhe do que eu estava falando. Funcionou. Ajudados pela matemática, estabelecemos os nossos pontos em comum e delimitamos a zona de interseção de nossos conjuntos. Ainda era vasta.

    Foi tentando figurar o que pensávamos haver de mais forte entre nós, a liga formada pelo que tínhamos de igual, que pude ver, no desenho que havia feito com as mãos, o verdadeiro significado da palavra união escancarado na potência gerada por nossas diferenças.

    O conjunto de tudo o que éramos, e não apenas o que pertencia a um e a outro simultaneamente.

    Abri os dedos e fiz um elo de nós. Nossa interseção ainda estava lá, mas agora se fazia ver aprisionada pela nossa união. Se tentasse separar os círculos de meus dedos, espremeria o espaço de nossos pontos em comum, mas nossas diferenças ainda segurariam o todo. Rimos.

    Quantas vezes tínhamos nos sentado para achar nossos pontos em comum sem perceber a força do que nos é complementar. A força de nossas diferenças, quando agem em conjunto.

    A matemática ensina. Algumas vezes até que dois mais dois são cinco.

    Ilustração Zé Vicente

    denise fraga

    Escreveu até dezembro de 2016

    É atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024