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    Denise Fraga

    Entre filmes, temakis e cães

    21/06/2015 02h00

    No meu bairro, proliferam temakerias, cabelereiros, academias e pet shops. Nada contra. Adoro comida japonesa, costumo ir à manicure, faço minha ginástica e gosto muito de cães.

    Mas o último pet shop aberto desbancou nada mais nada menos que nossa videolocadora. Digo nossa porque já era minha. Era uma extensão de nossos domínios. Qualquer filme que precisávamos era fácil de ser encontrado ali. Tínhamos a certeza de ter tal cena, tal referência, um clássico qualquer dos anos 1970 empoeirado numa estante a alguns passos da nossa casa.

    Era única e sobreviveu o quanto pôde, vendo o abrir e fechar das perfumarias. Eu bem desconfiei das últimas promoções de DVDs, sempre uma baciada deles a preços deliciosos. Ainda estou muito apegada ao mundo físico e ter um filme que amo na estante continua sendo um prazer. Comprei alguns sem questionar se dava minha contribuição para ajudar na manutenção ou demolição do estoque.

    Ilustração Zé Vicente

    Não suspeitei de nada e fiquei de queixo caído quando a encontrei coberta pelos tapumes que escondiam a construção de suas novas duchas para cães. Se quiser alugar um filme agora, preciso andar alguns quilômetros. Ou, então, me render.

    Apesar de toda a facilidade da TV por demanda que modifica dia a dia nossos hábitos, não sei mais onde achar um filme específico. Alguns amigos tentam me convencer:

    —Baixa!

    Sei que a coleta de direitos autorais vai ter que achar seu novo caminho. Sei que o mundo todo baixa filmes gratuitamente da internet, os sites são famosos, mas ainda não me entreguei.

    —Qual é o problema? Todo mundo faz!

    Talvez por trabalharmos com isso, resistimos. Ou, muito provavelmente, por ter tido durante mais de 20 anos tal pérola de locadora ao lado de casa. Vê-la entregue aos cães me deixou mais órfã do que eu poderia imaginar. Será que vou ter que me render? Abrir caminhos ilícitos diante do absurdo lícito e, como os hábeis motoqueiros de São Paulo, legitimar novas vias à fórceps? Fiquei mal acostumada. Onde se acha um raro Billy Wilder pagando-se uma módica quantia para assistir?

    Passo pela calçada e me entristeço com a vitrine canina. Do outro lado da rua, uma loja de CDs ainda resiste melancólica ao mundo virtual e rentável. Retorno o olhar e até me enterneço com os cãezinhos da vitrine. Seus banhos com certeza os embalsamam com as energias de Lassie e Rin Tin Tin.

    denise fraga

    Escreveu até dezembro de 2016

    É atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).

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