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    Drauzio Varella

    O efeito balão

    31/05/2014 02h00

    Quando você aperta um lado do balão de gás, ele incha do outro. Assim acontece com o tráfico de drogas, tema de três reportagens da revista "The Economist", que tomo a liberdade de resumir e comentar.

    Com a ajuda bilionária dos Estados Unidos, o cerco ao plantio de coca na Colômbia, conduzido nos anos 1990 e 2000, reduziu a produção no país. Graças ao efeito balão, no entanto, as plantações se deslocaram para Bolívia e Peru, o maior produtor atual.

    Pelo mesmo efeito, os laboratórios de refino foram transferidos para Equador e Venezuela, mudança que permitiu às quadrilhas mexicanas conquistar parte substancial do mercado americano e europeu.

    Por sua vez, a repressão sangrenta contra as gangues mexicanas dos últimos anos desviou a rota para a América Central. Honduras se tornou a porta de entrada para os aviões pequenos, de onde os carregamentos seguem por via terrestre na direção do México e Estados Unidos. A Honduras de hoje convive com o índice de homicídios mais alto do mundo.

    No ano passado, a pressão sobre os hondurenhos cortou 30% das aterrissagens clandestinas. Os traficantes encontraram mais facilidade de transporte por barcos que partem da Venezuela para aportar na República Dominicana, Trinidad e Jamaica.

    Atacar as quadrilhas num país não causa apenas derramamento de sangue no local, as mortes são exportadas para outras regiões. A repressão na Colômbia é responsável por metade dos assassinatos no México.

    O impacto das apreensões é contraditório: a oferta diminui e o preço aumenta, oportunidade que atrai bandidos mais violentos.

    É ilusão imaginar que a prisão dos barões da droga desarticularia o mercado. Eles são homens experientes, dispostos a resolver conflitos na mesa de negociações, enquanto os mais jovens que disputarão seus lugares tentarão fazê-lo dizimando os concorrentes.

    Quando uma quadrilha domina as demais, seu poder de corromper e de intimidar a população é tão grande que fica difícil desalojá-la. Mesmo se for eliminada, os armamentos deixados para trás e a rede de corrupção organizada persistirão por muito tempo.

    As campanhas educativas e a baixa qualidade das drogas oferecidas têm feito declinar o número de usuários de cocaína e heroína, na Europa e nos Estados Unidos. Fenômeno semelhante talvez esteja acontecendo no Brasil. Não há razões para otimismo, no entanto: as drogas sintéticas invadiram o mercado.

    Segundo o último relatório do "Office on Drugs and Crime", da ONU, surgiram 348 novas drogas psicoativas sintéticas, quase todas no período de 2008 a 2013.

    Entre elas, 110 canabinoides, com efeitos mais nocivos e mal conhecidos que mimetizam os da maconha, além de estimulantes como a metanfetamina (que tem ocupado o lugar da heroína na Europa), a mefedrona (droga barata vendida pela internet, que o usuário chega a injetar nos músculos mais de 20 doses por dia) e a quetamina, popular entre os jovens argentinos, causadora de mais dependência e efeitos colaterais do que o ecstasy.

    A síntese desses compostos químicos em pequenos laboratórios junto aos centros consumidores elimina a necessidade de percorrer distâncias continentais para chegar ao usuário, pulveriza a produção, dificulta o trabalho policial e traz as disputas territoriais para a vizinhança.

    Enquanto a medicina adquiriu larga experiência com a maconha, cocaína e heroína, drogas do passado, não fazemos ideia das consequências para o organismo do uso prolongado desse arsenal sintético.

    Na impossibilidade de dar fim às drogas, a única justificativa para insistir na guerra contra traficantes e usuários é a de reduzir a oferta para aumentar o preço no varejo, com a intenção de reduzir o consumo.

    É uma pretensão simplista com resultados pífios: apesar dos custos sociais, da violência urbana, das cadeias abarrotadas e dos bilhões de dólares investidos, o consumo cresce no mundo inteiro.

    O que falta para nos convencermos de que esse modelo de enfrentamento é ridículo, caro e ineficiente?

    Legalizar não significa liberar o consumo indiscriminadamente. É desenvolver estratégias para discipliná-lo, ajudar os usuários que desejam se livrar da dependência e tirar o poder das mãos dos criminosos.

    drauzio varella

    Médico cancerologista, dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer. Um dos pioneiros no tratamento da Aids no Brasil e do trabalho em prisões. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

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