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    Drauzio Varella

    Homossexualidade e DNA

    14/11/2015 02h00

    "Quem quiser gostar de mim, eu sou assim", diz o samba de Wilson Baptista.

    A homossexualidade tem forte componente genético. Diversos estudos com gêmeos univitelinos demonstraram que, quando um deles é homossexual, a probabilidade de o outro também o ser varia de 20% a 50%, ainda que separados quando bebês e criados por famílias estranhas.

    Nas duas últimas décadas, acumulamos evidências científicas suficientes para afirmar que a homossexualidade está longe de ser mera questão de escolha pessoal ou estilo de vida. É condição enraizada na biologia humana.

    Nunca houve nem existirá sociedade em que a homossexualidade esteja ausente. O estudo mais completo até hoje, realizado por Bailey e colaboradores da Austrália, mostrou que 8% das mulheres e dos homens são homossexuais.

    Em 1993, o geneticista Dean Hamer propôs um caminho para a identificação dos "genes gay", sequências de DNA que estariam localizadas no cromossomo X (região Xq28). A descrição virou manchete de jornal, mas não pôde ser confirmada por outros pesquisadores, requisito fundamental para adquirir validade científica.

    O fato de que 20% a 50% dos gêmeos univitelinos apresentam concordância da homossexualidade ressalta a influência genética, mas deixa evidente que a simples identidade de genes não justifica todos os casos.

    Em 2012, William Rice propôs que a epigenética explicaria com mais clareza a orientação sexual. Damos o nome de epigenéticas às alterações químicas do DNA que modificam a atividade dos genes sem no entanto alterar-lhes a estrutura química.

    Durante o desenvolvimento, os cromossomos podem sofrer reações químicas que não afetam propriamente os genes, mas podem "ativá-los" ou "desligá-los". O exemplo mais conhecido é a metilação, processo em que um radical metila (CH3) se fixa a uma região específica do DNA, formando o que chamamos de epimarca.

    Como algumas epimarcas são silenciadas nos óvulos e espermatozoides, enquanto outras podem ser transmitidas aos descendentes, Rice propôs que epimarcas ancoradas junto aos genes responsáveis pela sensibilidade à testosterona podem conduzir à homossexualidade quando transmitidas do pai para a filha ou da mãe para o filho.

    Especificamente, ainda no ventre materno, epimarcas que afetam a resposta às ações da testosterona produzida pelos testículos ou ovários fetais são capazes de masculinizar o cérebro de meninas ou afeminar o dos meninos, conduzindo mais tarde à atração homossexual.

    O grupo de Eric Vilain, um dos mais conceituados nessa área, estudou 37 pares de gêmeos idênticos discordantes (apenas um homossexual) e dez pares concordantes.

    A avaliação de 140 mil regiões do DNA desses gêmeos permitiu identificar cinco delas em que os padrões de metilação guardavam relação direta com a orientação sexual em 70% dos casos.

    Por que razão alguns gêmeos idênticos terminam com padrões distintos de metilação?

    Segundo Rice, epimarcas podem ser apagadas num irmão e persistir no outro. Vilain concorda: diferenças sutis no ambiente intrauterino, ditadas pela circulação do sangue e pela posição espacial de cada feto, seriam as causas mais prováveis.

    A antiga visão do sexo como um binário condicionado pelos cromossomos XX ou XY está definitivamente ultrapassada. Ela é incapaz de explicar a diversidade de orientações sexuais existente nos seres humanos, nos demais mamíferos e até nas aves.

    Transmitidas de pais para filhos, epimarcas específicas nas regiões do DNA ligadas às reações dos tecidos fetais à testosterona oferecem bases mais sólidas, inclusive para entender os casos de bebês com órgãos sexuais ambíguos e das pessoas que julgam haver nascido em corpos que não condizem com sua individualidade sexual.

    A homossexualidade é um fenômeno de natureza tão biológico quanto a heterossexualidade. Esperar que uma pessoa homossexual não sinta atração por outra do mesmo sexo é pretensão tão descabida quanto convencer heterossexuais a não desejar o sexo oposto.

    Os que assumem o papel de guardiões da família e da palavra de Deus para negar às mulheres e aos homens homossexuais os direitos mais elementares não são apenas sádicos, preconceituosos e ditatoriais. São ignorantes.

    drauzio varella

    Médico cancerologista, dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer. Um dos pioneiros no tratamento da Aids no Brasil e do trabalho em prisões. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

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