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    Drauzio Varella

    Exercícios e emagrecimento

    29/04/2017 02h50

    Libero /Libero/Editoria de Arte/Folhapress
    Ilustração 29.04.2017 Libero

    Emagrecer às custas de exercícios sem reduzir as calorias ingeridas é tarefa inglória. Passar horas na academia não é passe livre para comer à vontade, como reconhecem os que lutam contra a balança.

    Há muito, os estudiosos defendem a teoria de que nossos ancestrais das cavernas queimavam mais calorias do que os cidadãos das metrópoles de hoje. A diminuição do gasto energético diário, inerente à vida sedentária, explicaria a epidemia de obesidade que assola boa parte do mundo.

    Graças ao desenvolvimento de um método conhecido como "água duplamente marcada", esse paradigma tem sido questionado.

    O método consiste em administrar determinado volume de água enriquecida com isótopos de hidrogênio e oxigênio, coletar amostras de urina e encaminhá-las ao laboratório para calcular com precisão as calorias gastas diariamente.

    O antropólogo americano Herman Pontzer publicou vários artigos sobre o tema, sintetizados no "Scientific American" de fevereiro deste ano. Ele estudou uma das últimas populações de caçadores-coletores que sobreviveram: os hazdas, habitantes das savanas do norte da Tanzânia.

    A vida entre os hazdas não é propriamente um mar de rosas. Os homens percorrem quilômetros e quilômetros à caça de animais e a procura de mel para alimentar a comunidade, enquanto as mulheres saem em grupos para desenterrar tubérculos e colher vegetais e frutos selvagens. Fica por conta das crianças buscar água em poços geralmente distantes.

    Depois de uma temporada entre os hazdas, Pontzer retornou ao Baylor College of Medicine com as amostras de urina. Os testes revelaram que os homens queimam em média 2.600 calorias por dia, enquanto as mulheres, 1.900 calorias.

    Foi uma enorme surpresa: esses números não diferem significativamente do gasto energético diário de mulheres e homens europeus ou americanos, gente que ganha a vida sentada em escritórios com ar-condicionado.

    Resultados semelhantes tinham sido obtidos em pequenos estudos realizados em populações tradicionais da Guatemala, da Gâmbia e da Bolívia.

    Em 2008, por exemplo, foi feita uma comparação entre os gastos energéticos de mulheres nigerianas da zona rural e os de afro-americanas residentes em Chicago. Apesar do desnível na intensidade da atividade física entre os dois grupos, o número de calorias gastas diariamente foi muito semelhante.

    Uma metanálise de 98 estudos conduzidos em diversas partes do mundo concluiu que o gasto energético diário nos países mais ricos não é diferente daquele encontrado em populações obrigadas a despender energia em atividades essenciais à sobrevivência.

    Como o corpo humano consegue manter o total de gasto energético diário sob controle, mesmo quando a prática de exercícios é de grande intensidade?

    É possível que aqueles mais ativos economizem energia em outros momentos, graças a modificações sutis de comportamento: sentando em vez de permanecer em pé, movimentando-se menos, dormindo mais profundamente.

    Essas adaptações comportamentais, no entanto, são incapazes de explicar a constância do gasto energético em populações com hábitos tão díspares.

    É mais provável que o organismo abra espaço para as exigências energéticas da atividade física, reduzindo as calorias consumidas em excesso pelos processos metabólicos responsáveis por algumas funções celulares. Por exemplo, diminuindo a atividade inflamatória excessiva e a produção de hormônios e mediadores químicos inúteis ou nefastos ao organismo.

    Se o gasto energético diário não variou significativamente no curso da evolução de nossa espécie, como explicar que nossos antepassados fossem magros, enquanto nos tornamos cada vez mais obesos?

    A resposta é óbvia: comemos acima de nossas necessidades. Quando se trata de perder ou ganhar peso, dieta e atividade física são consideradas complementares.

    A razão decisiva para praticar exercícios não deve ser o emagrecimento, mas os inúmeros benefícios que eles trazem ao coração, ao sistema imunológico, às cartilagens e ao esqueleto, às funções cognitivas e ao funcionamento do aparelho digestivo e de outros órgãos.

    E, acima de tudo, porque deixar o corpo parado faz mal à saúde.

    drauzio varella

    Médico cancerologista, dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer. Um dos pioneiros no tratamento da Aids no Brasil e do trabalho em prisões. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

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