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    Edgard Alves

    Preconceito ofusca brilho do esporte

    29/04/2014 02h00

    Meras disputas esportivas têm escancarado o ranço da discriminação que permeia os mais diferentes cantos do planeta. Fatos recentes ganharam manchetes por conta de atos racistas, que provocaram incontáveis manifestações de repúdio, inclusive de presidentes como Barack Obama e Dilma Rousseff.

    Diante desse quadro, por enquanto, nenhuma ameaça parece comprometer os dois grandes eventos internacionais agendados para o Brasil, a Copa do Mundo de futebol, em junho, e a Olimpíada, em 2016. Não que não haja algum tipo de discriminação por aqui. Existe, sim. Confrontos em favelas no Rio, que resultam em mortes inexplicáveis ou o espancamento brutal de homossexuais em ruas do centro de São Paulo são mostras de discriminação.

    As manifestações sociais de meados do ano passado no país são evidências de uma situação delicada, que gera apreensão e exige cuidados especiais dos governos, da Fifa, do COI e dos organizadores locais dos eventos.

    Os Jogos Olímpicos de Inverno, recentemente, em Sochi, na Rússia, não escaparam de uma saraivada de ataques por causa de discriminação, não racista, mas homofóbica. Leis daquele país foram interpretadas como violações de direitos dos gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros pela organização Human Rights Watch. O repúdio da comunidade internacional foi tão grande e desafiador, que deixou acuados o governo russo e o Comitê Olímpico Internacional.

    Embora não tenha poderes para estabelecer leis em um Estado soberano, a pressão funcionou a tal ponto que arrancou um posicionamento do COI, ou seja, a exigência de que as futuras cidades candidatas a serem sedes olímpicas precisarão adotar postura contra qualquer tipo de discriminação, incluindo raça, religião, política ou gênero.

    Quanto ao racismo, os meios de comunicação da atualidade permitem revelar que ele ocorre com regularidade no futebol, tanto no exterior como no território nacional, embora aqui os episódios sejam mais pontuais e pouco frequentes.

    No final do ano passado, Joseph Blatter, presidente da Fifa, em sua conta no Twitter, disse que estava com nojo por saber que torcedores haviam abusado racialmente de um jogador. Ele estava se referindo ao brasileiro Paulão, do Bétis, da Espanha, provocado por torcedores do próprio time.

    Como o COI, a Fifa parece disposta a lutar contra discriminações. Mas o caminho não é nada fácil. O Qatar, que abrigará a Copa do Mundo em 2022, por exemplo, é um ponto sensível. Em outubro passado, a TV Qatar ocultou imagens e nomes de atletas de Israel e a bandeira do país em alguns momentos da Copa do Mundo de Natação, disputada em Doha.

    Tempos atrás, a tenista Shahar Peer teve negado o visto de entrada nos Emirados Árabes Unidos para disputar o Torneio de Dubai. Em nota, a organização explicou que o veto teve como motivo o "elevado sentimento público de repulsa no Oriente Médio contra tudo o que ela poderia representar".

    Por sua vez, em março do ano passado, durante o Campeonato Israelense, cerca de 300 torcedores do Beitar Jerusalem abandonaram as arquibancadas em protesto após um atleta muçulmano de seu próprio time anotar um gol. Os torcedores pediram a volta da "pureza" à equipe.

    Situações constrangedoras ocorrem semanalmente. O brasileiro Daniel Alves, do Barcelona, declarou que já vem sofrendo com a discriminação há 11 anos, desde que deixou o Brasil para atuar no futebol espanhol. No último domingo, antes de cobrar um escanteio, ele abaixou, pegou e comeu uma banana que havia sido arremessada no campo pela torcida do Villareal.  

    A atitude ganhou amplo respaldo nas redes sociais, com fortes críticas aos provocadores. A presidente Dilma Rousseff se manifestou, via Twitter,  em apoio a Daniel Alves. Ela destacou que todas as pessoas têm uma mesma origem.

    Dilma repetiu procedimento do colega Barack Obama, que condenou declaração de cunho racista de Donald  Sterling, dono dos LA Clippers, ao criticar sua noiva por publicar em seu Instagran uma foto de Magic Johnson, um dos maiores ídolos da história da NBA e que encerrou a carreira no início dos anos 90. Entre as barbaridades proferidas por Sterling no contato com a namorada, foi dito: "Em seu asqueroso Instagram não tem que ter fotos com pessoas negras".

    O esporte mexe com multidões, atrai pelas emoções de uma cesta, de um gol, de uma raquetada bem colocada ou de outro gesto qualquer.  Nada disso, porém, anula os desacertos mundanos. O preconceito ofusca o brilho do esporte.

    edgard alves

    Jornalista esportivo desde 1971, escreve sobre temas olímpicos. Participou da cobertura de seis Olimpíadas e quatro Pan-Americanos. Escreve às terças.

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