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    Edgard Alves

    Massacre, segurança e Olimpíada

    13/01/2015 02h00

    O esporte mundial se comoveu com as tragédias ocorridas em Paris na semana passada, que culminaram com a morte de 17 pessoas –o massacre executado no jornal satírico 'Charlie Hebdo", o episódio com reféns no mercado de produtos judaicos e o assassinato de uma policial.

    A indignação contra a barbárie e a solidariedade às manifestações de repúdio pelos atentados que enlutaram a França foram transformados no minuto de silêncio, tradicional método de homenagear mortos no mundo esportivo. Ele marcou várias competições, principalmente no futebol, em várias partes do mundo.

    Nenhum daqueles lamentáveis acontecimentos teve relação com disputas esportivas, mas não dava para ficar alheio diante de tais atos de violência.

    Além disso, por reunir habitualmente grandes massas em seus eventos, o esporte está –pelo menos existe essa esperança de que esteja mesmo– permanentemente com o sinal de alerta ligado para impedir ações desvairadas semelhantes às ocorridas na França.

    É uma vigilância difícil, complicada e onerosa, repleta de segredos e praticamente clandestina. Apesar disso, diante dos riscos sempre ameaçadores e imprevisíveis, é a face complicada para moldar num grande evento. Sem dúvida, um setor essencial, e fundamental.

    E hoje essa é uma das preocupações do Brasil, com os olhos voltados para a Olimpíada do Rio, em 2016, evento com participação de comitês olímpicos nacionais de 205 países –Kosovo acaba de ser admitido pelo COI– e com a presença de torcedores de todo o planeta.

    O Brasil escapou ileso, sem arranhões, no quesito segurança na Copa das Confederações, em 2013, e na Copa do Mundo de Futebol, ano passado.

    Uma única falha foi revelada. Na abertura da Copa, no Itaquerão, um atirador de elite teria pedido autorização para abater um homem armado, próximo à tribuna onde estavam Dilma Rousseff, chefes de Estado e autoridades da Fifa, mas, em tempo, verificou-se que era um policial.

    A ausência de outros casos negativos, no entanto, não significa que a segurança nacional passou no teste.

    Talvez os esquemas que preparou para os dois grandes eventos não tenham sido acionados pela provável inexistência de fatos provocadores. Sorte? Pelo menos não houve registro noticiado. Será que algum grave risco foi contornado? Segurança de qualidade implica segredos, discrição.

    Uma Olimpíada segura interessa a todos os participantes, afinal se trata de um movimento mundial de paz. Qualquer incidente durante o evento é motivo de intranquilidade não apenas na sede olímpica, mas em várias partes do mundo.

    No Brasil, a Sesge (Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos), subordinada ao Ministério da Justiça, é que coordena as ações envolvendo as forças de segurança nas esferas federal, estadual e municipal. Há intercâmbio e troca de informações com inúmeros países.

    Além de agentes, policiais e Forças Armadas do Brasil, profissionais estrangeiros devem integrar o setor de segurança dos Jogos no Rio. Empresas especializadas também fazem parte do projeto. Uma delas, estrangeira, foi apontada em reportagem recente de Daniel Brito, no UOL, com revelações que chamam a atenção.

    A empresa contratada pelo comitê Rio 2016, o responsável pela organização dos Jogos, é a israelense ISDS (sigla em inglês para Segurança Internacional e Sistemas de Defesa) e atuou nas Olimpíadas de Londres-2012, Atenas-2004 e Barcelona-1992.

    A contratação levantou polêmica, segundo a reportagem, porque a ISDS é acusada de formar e aparelhar grupos militares e paramilitares que ajudaram a destituir presidentes do cargo ou combater de forma truculenta opositores em países em conflito na América Central nos últimos 35 anos. Também teria irritado grupos pró-Palestina no Brasil e no mundo, integrantes do chamado BDS (Boicote, Desinvestimentos e Sanções) contra Israel, por crimes contra os palestinos e direitos humanos.

    Na condição de leigo em matéria de segurança, percebo os sentimentos difusos em relação a ela, cada qual movido por interesses específicos ou crenças. De qualquer forma, a sua essência é pontilhada por embaraços.

    No movimento olímpico, a relevância da segurança ganhou expressão primordial a partir de Munique-72, quando atletas de Israel foram mortos por terroristas na Vila Olímpica. Aquele conturbado episódio mudou a cara dos Jogos, que, a cada nova edição, concentra um olho nas disputas esportivas e outro nos desacertos da política internacional.

    O impacto avassalador das grandes tragédias ocupa manchetes por algum tempo e depois cai no esquecimento. Incrível, mas lapsos costumam destruir reputação de esquemas de segurança, anunciados como perfeitos e modernos.

    Quatro anos após Munique, por exemplo, como já relatei neste espaço, um homem ludibriou a segurança, entrou no centro do gramado, se desfez da capa que cobria seu corpo e, nu, dançou com as bailarinas no encerramento dos Jogos de Montrèal-76. Houve até quem acreditasse que ele fazia parte do espetáculo.

    A violência só voltou a marcar outra Olimpíada em Atlanta-96, num episódio isolado, sem vínculo com organizações internacionais. Um
    atentado com bomba no Centennial Olympic Park matou duas pessoas e feriu dezenas de outras.

    Nos últimos Jogos, em Londres-12, três dias antes da abertura, 1.200 soldados foram convocados para sanar quebra de acordo de uma empresa privada que deveria fornecer 10.400 seguranças, mas não cumpriu. Outros 3.500 soldados já estavam trabalhando. Isso levando em conta que, pouco tempo antes dos Jogos, a cidade sofrera uma série de ataques à rede de transportes públicos, com mortes.

    Não bastasse essa improvisação, na cerimônia de abertura uma mulher desconhecida, que vestia uma blusa vermelha e calça azul, ocupou uma posição na delegação da Índia e caminhou ao lado do porta-bandeira e das indianas vestidas de amarelo. Pensaram que ela era do Comitê Organizador.

    Não passam de factóides os anúncios dando conta de parafernálias que serão utilizadas em segurança em um ou outro evento. O primordial é a ação da inteligência, tentar saber com antecedência as ameaças, os riscos. Mesmo assim o setor lida com o imponderável.

    Como impedir que uma bomba explodisse na linha final da Maratona de Boston, em 2013, e deixasse três mortos, além de feridos? Inteligência? Vigilância? É assunto para especialista.

    Boston, coincidentemente, acaba de ser escolhida pelo comitê olímpico americano como candidada daquele país a sede da Olimpíada-2024. Nos últimos 30 anos os EUA promoveram três Olimpíadas. Apesar dos riscos, parece um bom negócio, certo?

    O Brasil não é um país-alvo do terrorismo internacional, mas a Olimpíada é. Portanto, que o terror na França sirva de alerta para que não tenhamos de receber solidariedade de ninguém no futuro por situações insanas como o massacre de indefesos desenhistas e reféns.

    edgard alves

    Jornalista esportivo desde 1971, escreve sobre temas olímpicos. Participou da cobertura de seis Olimpíadas e quatro Pan-Americanos. Escreve às terças.

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