As Américas perderam um dos seus mais notórios e longevos cartolas da história do esporte olímpico com a morte do mexicano Mário Vázquez Raña, ocorrida domingo. Ele tinha 82 anos e presidia desde 1975 a Odepa (Organização Desportiva Pan-Americana), com sede na Cidade do México.
O apego ao cargo era tão forte, que, em quase 40 anos, consta ter ele faltado apenas a uma reunião da Executiva da entidade, no mês passado, já em consequência de complicações de seu estado de saúde.
Embora o nome de Vázquez Raña pouco aparecesse na mídia brasileira, ele formou um quarteto influente e poderoso no movimento olímpico internacional ao lado do espanhol Juan Antonio Samaranch (presidiu o COI de 1980 a 2001) e do italiano Primo Nebiolo (líder do atletismo mundial e presidente da Iaaf de 1981 a 1999).
O grupo era completado pelo brasileiro João Havelange (presidente da Fifa de 1974 a 1998), agora o único vivo, mas afastado das atividades do esporte, e cuidando da sua saúde. Havelange renunciou ao seu posto no COI, em 2011, quando notícias davam conta do envolvimento de seu nome em casos de corrupção nos bastidores do mundo esportivo.
Vázquez Raña, um praticante de tiro esportivo, foi eleito presidente do Comitê Olímpico Mexicano em 1974, onde se manteve até 2000. Além do COM, da Odepa e do COI, simultaneamente exerceu outros cargos de relevo na estrutura do esporte mundial, como a presidência da Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais, de 1979 a 2012, que reúne cerca de duas centenas de representações.
Nos negócios particulares, ele era poderoso, proprietário da Organização Editorial Mexicana, com seus 70 jornais e 24 estações de rádio. Em meados da década de 80, por cerca de três anos, também esteve sob seu controle a agência de notícias norte-americana UPI.
A simples permanência de um dirigente esportivo por tanto tempo no cargo não é um bom sinal. Pelo contrário, demonstra a falta de renovação e de arejamento administrativo, de novas idéias.
Com certeza, a alternância de poder é sempre saudável à democracia. No COI, as regras determinam oito anos para o primeiro mandato, com a possibilidade de outros quatro, tempo que basta para uma administração eficiente e para a implantação de projetos.
Com o passar dos dias, após período tão longo de um único cartola à frente do desporto pan-americano, certamente despontarão contos, recheando fatos ocorridos nesse período, folclóricos ou não, para o bem ou para o mal.
A Odepa responde pelos Jogos Pan-Americanos, estimulados como uma espécie de congraçamento dos povos do continente. O evento, realizado a cada quatro anos, teve a sua estréia em 1951, em Buenos Aires. Duas edições aconteceram no Brasil –São Paulo-1963 e Rio-2007.
Com penetração em praticamente toda a América, do norte ao sul, e região do Caribe, a Odepa, criada em 1948 mas que vinha sendo articulada anos antes, acabou sendo bastante prestigiada pelos Estados Unidos no período da Guerra Fria, o embate com a ex-URSS e seus aliados.
Em ambiente com esse tempero é curiosa a lenda de que Vázquez Raña articulou a promoção do Pan-1991, em Havana, após Fidel Castro ter ficado aborrecido com a escolha de Indianápolis, nos EUA, para sede em 1987. O dirigente mexicano, que costumava entrevistar líderes mundiais para suas empresas de comunicações, teria aproveitado uma dessas oportunidades para reverter a irritação do líder cubano.
Um outro desafio fracassou. Vázquez Raña tentou romper com a exclusividade do francês e do inglês como as línguas oficiais do COI. Queria a inclusão do espanhol, língua da maioria dos países latino-americanos e da Espanha, origem de sua família.
O esporte olímpico do Brasil perdeu um aliado, que elogiou o Pan do Rio acima dos demais e defendeu a candidatura vencedora da Rio-2016, a primeira Olimpíada a ter como palco a América do Sul.
Jornalista esportivo desde 1971, escreve sobre temas olímpicos. Participou da cobertura de seis Olimpíadas e quatro Pan-Americanos. Escreve às terças.